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    Hélio Schwartsman

    Infernos artificiais

    24/01/2017 02h00

    Joel Silva - 5.dez.2016/Folhapres
    Sem repressão policial, feira de drogas opera livremente em rua do centro de São Paulo.
    Sem repressão policial, feira de drogas opera livremente em rua do centro de São Paulo.

    SÃO PAULO - Já que a crise penitenciária reacendeu o debate sobre a questão das drogas, reitero algumas observações que me parecem até meio óbvias, mas que são frequentemente esquecidas.

    A primeira é que drogas, inclusive a maconha, fazem mal. Numa pequena minoria de pacientes, que ainda não somos capazes de identificar "a priori", elas têm efeitos verdadeiramente devastadores. É claro que isso não é motivo suficiente para proscrevê-las. Não cabe ao Estado determinar o que cada indivíduo pode fazer com seu próprio corpo e, igualmente importante, faz mais ou menos cem anos que o mundo abraçou o paradigma proibicionista e, a julgar pelos resultados, essa política já pode ser considerada um fracasso.

    O planeta investe bilhões de dólares anuais na repressão ao tráfico, mas a prevalência global do uso de substâncias ilícitas segue mais ou menos o mesmo há quase uma década, assim como o número de usuários patológicos. O efeito mais notável de um aumento localizado da repressão é a elevação do preço da droga, o que equipara essa tarefa à pouco prática atividade de enxugar gelo.

    Para mudar o "statu quo", então, não basta descriminalizar o uso. Seria preciso dar um passo mais ambicioso e legalizar efetivamente o consumo e o comércio de todos os entorpecentes. E mesmo assim não se devem esperar resultados imediatos.

    É improvável que os traficantes troquem seu fuzil AK-47 por uma gravata e se tornem respeitáveis empresários. Com a legalização, eles tenderiam a migrar para outras transgressões, como assaltos e sequestros. Num primeiro momento, portanto, a violência poderia aumentar.

    No médio prazo, porém, o jogo mudaria. O tráfico é a única atividade delinquencial em que a "vítima" chega a fazer fila para "sofrer o crime". Privadas do lucro fácil da venda de drogas, as quadrilhas veriam seu poder declinar. Foi o que aconteceu com os gângsteres dos EUA após a revogação da Lei Seca.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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