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    Hélio Schwartsman

    Nação kantiana

    04/03/2017 02h00

    Flavio Tavares/Jornal Hoje em Dia/Folhapress
    Goleiro Bruno ao deixar a Apac de Santa Luzia, na última sexta-feira, após conseguir habeas corpus
    Goleiro Bruno ao deixar a Apac de Santa Luzia após conseguir habeas corpus

    SÃO PAULO - Precisamos falar sobre prisões cautelares. A decisão do ministro Marco Aurélio, do STF, de soltar o goleiro Bruno, condenado em primeira instância a 22 anos pelo assassinato de Elisa Samudio, causou indignação. Tecnicamente, porém, o arrazoado de Marco Aurélio é irretocável. Bruno ainda não foi condenado em segunda instância e, por isso, não precisa começar a cumprir pena. Estava encarcerado porque o juiz do caso julgou haver motivo para a prisão preventiva, do que Marco Aurélio discorda.

    A prisão preventiva é uma prisão cautelar. Ela não se confunde com a pena a ser cumprida em caso de condenação e pode ser decretada quando o magistrado entende que manter o suspeito em liberdade traz risco para a sociedade (garantia da ordem pública ou da ordem econômica) ou para o processo (quando se acredita que ele vá destruir provas ou fugir).

    Aqui nos deparamos com o que é o nó górdio da Justiça criminal no Brasil. Já que o sistema foi desenhado para não funcionar (até o ano passado, a pena só deveria ter início após o trânsito em julgado, isto é, até não haver mais possibilidade de recurso, o que pode levar décadas), magistrados se valem das prisões cautelares para oferecer respostas à sociedade. É isso que explica o fato de um terço dos presos no país estarem nessa condição cautelarmente.

    E os juízes podem fazer isso? Depende de como você vê a lei. Se você é um cara pragmático que acha que basta satisfazer à letra do enunciado, então o caráter subjetivo de termos como "garantia da ordem pública", que significam o que o magistrado queira que signifiquem, justifica o festival de prisões preventivas.

    Se, porém, você é um sujeito com pendores kantianos, que acha que as leis devem ser respeitadas não só na letra como também no espírito, então a maior parte das preventivas decretadas no país é ilegal. Se há algo de que o Brasil não pode ser acusado é de ser uma nação kantiana.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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