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    Hélio Schwartsman

    Inflação de notas

    12/04/2017 02h00

    Edson Silva-27.mar.2013/Folhapress
    SERTAOZINHO, SP, BRASIL, 27-03-2013: Alunos do 9º ano em aula de matematica da Emef Jose Negri, em Sertaozinho (SP), a melhor nota em matematica do Estado. Escola municipal em Sertaozinho tem a melhor nota de matematica do Estado na Prova Brasil. ( Foto: Edson Silva/Folhapress) ***COTIDIANO***EXCLUSIVO*** *** Local Caption ***
    Alunos do 9º ano em aula de matemática na Emef José Negri, em Sertãozinho (SP)

    SÃO PAULO - "Pai, tirei A na prova de matemática", proclamou, orgulhoso, meu filho Ian. Como pai consciencioso que sou, elogiei-lhe o desempenho, mas, inoculado pelo vírus da desconfiança por causa de um livro que li que menciona o problema da inflação de notas, fiquei com a pulga atrás da orelha. Um A nos dias de hoje vale o mesmo que nos meus tempos de ginásio?

    Muito provavelmente não. Não fui capaz de encontrar dados para o Brasil, mas o fenômeno da inflação de notas está bem documentado em países como os EUA e o Reino Unido, em especial no ensino superior. De acordo com Tom Nichols, autor de "The Death of Expertise" (a morte da expertise), em Yale, mais de 60% das notas conferidas já são A- ou A.

    Estudos sistemáticos confirmam essa tendência. Um trabalho de Stuart Rojstaczer envolvendo 200 instituições de ensino superior nos EUA mostrou que, a partir do final dos anos 90, o A se tornou a nota mais comum dada, alcançando os 43% em 2008. Isso representa um aumento de 28 pontos percentuais em relação a 1960. Se somarmos o A e o B, eles constituem hoje mais de 80% das notas conferidas em todas as matérias.

    A hipótese de Nichols, que parece fazer sentido, é que o fenômeno é consequência da mentalidade "o cliente sempre tem razão". Hoje, não só as escolas evitam ferir a autoestima de seus alunos com notas baixas como ainda tentam criar para eles ambientes onde se sintam bem ("acolhidos" é o termo favorito dos pedagogos) ao longo de todo o processo.

    Ninguém é contra as pessoas se sentirem bem, mas nunca é demais lembrar que o processo educacional frequentemente exige que o aluno seja retirado de sua zona de conforto. Ele precisa ser exposto a todo gênero de ideias, principalmente as que lhe causem repugnância, e deve descobrir desde cedo que muito dificilmente será sempre a pessoa mais inteligente da turma. Espero que meu filho não leia esta coluna.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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