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    Hélio Schwartsman

    O inegável

    15/09/2017 02h00

    Fred Dufour/AFP
    O presidente Michel Temer durante reunião com os presidentes do Brics nesta segunda (4)
    O presidente Michel Temer

    SÃO PAULO - Michel Temer já levou tantas flechadas que está parecendo são Sebastião. Além de ele próprio ter estrelado um diálogo comprometedor com Joesley Batista, o presidente viu a metade do seu núcleo de colaboradores principais ser arrastada para trás das grades. Um deles, Geddel Vieira Lima, foi apanhado com R$ 51 milhões em dinheiro vivo escondidos num apartamento. A outra metade segue livre mais por ter foro privilegiado do que por poder exibir atestado de bons antecedentes.

    A proximidade entre Temer e uma série de esquemas de corrupção narrados em inquéritos e denúncias é tamanha que torna-se inevitável a conclusão de que ou ele participou das maracutaias, ou as tolerou, ou não foi capaz de perceber o que se passava debaixo de seu nariz. Qualquer das três hipóteses deveria bastar para que ele, de moto próprio e sem depender de trâmites judiciais, se afastasse da Presidência da República. O líder peemedebista continua, porém, protestando inocência e denunciando supostos complôs para desacreditá-lo.

    Por que seres humanos em geral e políticos em particular são tão teimosos? Não haveria mais dignidade em reconhecer a derrota e permitir ao país seguir adiante?

    Desconfio que a obstinação com que nos agarramos a narrativas convenientes mesmo que pouco convincentes decorre de uma perversa combinação da autoestima com o autoengano. Já que é extremamente doloroso ver abalada a imagem positiva que tentamos cultivar de nós mesmos, recorremos a racionalizações que, se não bastam para apagar as culpas, ao menos as relativizam. E assim tentamos nos convencer de que existiam, no nosso caso, motivações justas e circunstâncias atenuantes.

    É um processo que pode até funcionar para quem o vive na própria pele e avança passo a passo. Mas, para quem olha de fora, fica parecendo só uma tentativa, às vezes até patética, de negar o inegável.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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