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    Hélio Schwartsman

    Não vá ao teatro

    19/09/2017 02h00

    Evandro Leal - 13.set.2017/Agência Freelancer/Folhapress
    Operários retiram material de divulgação da exposição Queermuseu, em frente à sede do Santander Cultural, nesta quarta-feira (13). A mostra gerou polêmica e foi cancelada pelo banco na tarde do último domingo (10).
    Operários retiram material de divulgação da exposição Queermuseu no Santander Cultural

    SÃO PAULO - Vá lá que um muçulmano nascido e criado num vilarejo próximo às cavernas de Tora Bora, no Afeganistão, tenha dificuldades para lidar com a ideia de liberdade de expressão. Supondo que ele jamais tenha saído de sua aldeia e que a educação que recebeu se limite a alguns anos frequentando madrassas, é natural que veja como um dever da comunidade silenciar expressões que não estejam de acordo com a ortodoxia de sua fé.

    Constatar que brasileiros que vivem em cidades multirreligiosas e multiétnicas e que têm acesso à indústria cultural globalizada e à educação formal pensam o mesmo é algo que nos faz lamentar o estado de nossas escolas e maldizer alguns aspectos da natureza humana. Mas é quando um juiz e um delegado, que supostamente leram e entenderam a Constituição, se valem do poder do Estado para censurar manifestações artísticas que nos perguntamos se nossa democracia é mesmo viável.

    Embora tenha sido profundamente lamentável, a decisão do Santander de cancelar a exposição "Queermuseu" não constituiu tecnicamente um caso de censura. O banco se acovardou diante dos protestos dos supostos liberais e resolveu suspender o patrocínio, o que é um direito seu.

    Muito diferentes foram os casos do juiz de Jundiaí que proibiu a exibição de uma peça de teatro que retrata Cristo como transexual e do delegado de Campo Grande que mandou recolher um quadro cujo título é "Pedofilia". Aqui, houve clara violação aos artigos 5º, IX, e 220 da Constituição, que impedem o poder público de exercer qualquer tipo de censura a manifestações artísticas.

    O que me intriga é que, exceto para tora-borenses e demais grupos que ainda vivem no mundo das cavernas de Platão, esse tipo de discussão nem deveria se colocar. Quem não gosta do conteúdo de uma peça é totalmente livre para não assisti-la. Na democracia, o pecado é tentar impor crenças a quem delas não partilha.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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