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    Hélio Schwartsman

    Vodu do nacionalismo

    01/10/2017 02h00

    SÃO PAULO - Donald Trump, o Incorrigível, desatou mais uma polêmica ao instar donos de times de futebol americano a punir atletas que protestam contra o racismo durante a execução do hino dos EUA. O tiro saiu pela culatra, já que levou os próprios empresários a se juntarem aos jogadores nas manifestações. Qual é o respeito devido a símbolos nacionais como hinos e bandeiras?

    Não há dúvida de que parte da população abraça o discurso da unidade nacional e se identifica genuinamente com esses símbolos. Muitos cantam o hino com verdadeira emoção e se sentem ultrajados ao ver alguém queimar o pavilhão nacional.

    É também inegável que, num regime onde prevaleçam liberdades básicas, a adesão à ideia de nação, e todo o pacote de posicionamentos que vem com ela, não pode ser obrigatória. Aliás, é até saudável que seja de tempos em tempos questionada. Legislações que impeçam cidadãos de protestar contra seu país, inclusive queimando bandeiras, têm algo de inapelavelmente antidemocráticas.

    Acho até que daria para criar um índice de autoritarismo baseado na frequência e na severidade com que um país trata quem "profana" os símbolos nacionais. Até existem nações democráticas, como Áustria, Alemanha, França e Brasil, que conservam leis que exigem que os símbolos sejam tratados com respeito. O que salta aos olhos, porém, é que praticamente todos os Estados autoritários contam com normas que punem os profanadores, muitas vezes com rigor. Na Arábia Saudita, o gesto pode ser interpretado como blasfêmia ao islã, o que dá pena de morte.

    Esse é um campo em que o essencialismo corre solto. Por mais que eu tente entender os sentimentos patrióticos, não consigo levar muito a sério a ideia –que não fica a dever nada às legislações de bruxaria da Idade Média— de que um pedaço de pano deva ser protegido contra maus-tratos e outras formas de profanação. Acho que é o vodu do nacionalismo.

    hélio schwartsman

    É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
    Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

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