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    Henrique Meirelles

    Hora da vacina

    03/02/2013 03h30

    Uma crise de crédito tem semelhanças com um ataque cardíaco. Se a intervenção for imediata e bem-sucedida, as consequências serão menores. Mas se a crise se prolongar e danificar outras partes do organismo por falta de oxigenação, o estado do paciente pode piorar de forma significativa.

    O mesmo ocorre numa crise de crédito. Se não for combatida com uma ação rápida e decisiva nos seus canais de transmissão, a paralisia do crédito gera uma gradual falta de liquidez em toda a economia, uma bola de neve destrutiva que torna o processo de recuperação mais lento e difícil.

    Enquanto no Brasil, em 2008, agimos rapidamente contra os canais de transmissão da crise --o crédito em dólares, o mercado de derivativos e a liquidez dos bancos pequenos e médios-- e fomos o primeiro grande país a superá-la, em outras economias não houve a mesma clareza.

    Bancos centrais nessas situações tendem a tomar como primeira medida o corte da taxa básica de juros, dentro da visão convencional de que isso saneará a economia. Mas o que ocorreu naqueles países mostrou a falha dessa abordagem, pois os canais de transmissão da crise seguiram abertos e impediram a expansão do crédito e da atividade.

    Na medida em que os bancos centrais foram aprendendo a lição, passaram a tomar medidas não convencionais como a compra de títulos privados e públicos e injeções massivas de liquidez. Entretanto, como agiram atrasados, essas injeções tiveram tamanha magnitude que exacerbaram seus efeitos colaterais. Na economia, como na medicina, não há remédio sem efeito colateral.

    Quando o processo de aumento de liquidez promovido pelo Fed (o BC dos EUA) e por outros BCs de países ricos começou, o primeiro efeito colateral foi sentido em economias emergentes como a brasileira, que receberam grande influxo de capitais capaz de criar bolhas e distorções cambiais se não fossem enfrentados de forma correta --no Brasil, isso foi feito principalmente via acumulação de reservas.

    Por outro lado, é possível aproveitar efeitos positivos dessa grande liquidez. Permite, por exemplo, financiamento mais barato às empresas brasileiras e fortalecimento do nosso mercado de capitais.

    Mas o risco da dose cavalar de liquidez é a exacerbação de preços e a formação de bolhas. Quando a economia se recuperar e o processo inflacionário retomar fôlego, os BCs do Norte começarão a enxugar o crédito e a subir os juros, o que pode provocar correção importante em vários mercados.

    Precisamos estar preparados para esse momento de mudança e seus efeitos colaterais. Eles ainda não parecem tão próximos, por isso mesmo é boa hora para se vacinar.

    henrique meirelles

    Escreveu até maio de 2016

    É presidente do Conselho da J&F. Foi presidente do Banco Central de 2003 a 2010.

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