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    Henrique Meirelles

    Raízes do (novo) Brasil

    22/03/2015 02h00

    Os problemas do Brasil têm raízes profundas.

    Depois do fracasso de quase todas as capitanias hereditárias, Portugal nomeou no século 16 o primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Sousa.

    Como naquela época todas as propriedades eram da coroa, e praticamente todos os portugueses aqui morando trabalhavam para ela, estabeleceu-se um regime estatista já na origem da nossa economia.

    O Brasil começou como uma gigantesca estatal. Para atender aos seus funcionários, o governador-geral criou uma intendência que fornecia tudo aos habitantes da colônia: comida, remédios, mantimentos etc.

    Tomé de Sousa achou por bem escolher uma pessoa de sua total confiança para a função de intendente -seu criado de quarto. Apesar do salário muito baixo, ele logo adquiriu considerável fortuna. E construiu a primeira boa residência de Salvador, onde recebia os poderosos.

    Tomé de Sousa só se aborreceu com uma coisa -a casa do intendente era melhor do que a sua. Problema que o intendente resolveu construindo para ele uma nova e confortável residência.

    Com suas relações com o governador, o intendente progrediu e chegou a ter uma fazenda que ia de Salvador a Sergipe, com 1.000 km de profundidade entre litoral e interior. Por muito tempo, ele foi o homem mais rico do Brasil e, a partir daí, estabeleceu nobre descendência.

    Uma das casas onde morou hoje dá o nome a um praia perto de Salvador, a Praia do Forte, e ele virou ainda nome de rua em Ipanema -a rua Garcia d'Ávila. Alguns de seus nobres descendentes também viraram nomes de rua no mesmo bairro.

    Essa história dá uma visão muito clara da formação do país, de sua cultura, sua estrutura de governo, do excesso de Estado e da gênese das questões éticas atuais.

    O Brasil se desenvolveu muito desde então. Absorveu novas levas de imigrantes ao longo dos séculos e se transformou lentamente numa sociedade industrial moderna.

    Essa sociedade hoje cobra valores diferentes e demanda uma economia mais eficiente e produtiva, com regras competitivas que gerem aumento da produção, da riqueza e do padrão de vida da população. Cobra também um governo ético e transparente que reflita o amadurecimento do país, o crescimento de sua economia e a ascensão de uma classe média numerosa, mais instruída e exigente.

    Essa evolução provoca hoje um choque de valores com o Brasil do passado e uma verdadeira perplexidade nacional.

    A reação da população demandando ética, transparência e trabalho eficiente mostra que finalmente o Brasil começa a chegar ao mundo moderno e a vislumbrar novamente um futuro que parecia perdido nos últimos anos depois do declínio gerado pela "nova matriz econômica" e pelo aumento excessivo do Estado.

    henrique meirelles

    Escreveu até maio de 2016

    É presidente do Conselho da J&F. Foi presidente do Banco Central de 2003 a 2010.

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