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    Henrique Meirelles

    Último ato da tragédia grega

    05/07/2015 02h00

    O drama grego adquire contornos ainda mais dramáticos com o referendo de hoje, no qual o governo submete à população pacote de ajuda da União Europeia condicionado a ajustes econômicos. É uma situação bizarra onde o premiê faz campanha pelo não ao acordo e promete que, se ganhar, fechará acordo em 48 horas. Já com a vitória do sim ao acordo, o governo promete renunciar.

    É característica de governos populistas tentarem simplificar as questões à população, transformando problemas complexos e profundos em soluções fáceis e mágicas.

    O problema vai muito além de gastar mais ou menos, aumentar ou diminuir a idade e o valor das aposentadorias. Ele passa por uma economia cartorial com alta proteção a setores econômicos e profissionais. Cada um tem e quer manter o seu privilégio. O dono de uma farmácia, por exemplo, é protegido por leis que restringem concorrentes na região mesmo que sejam mais capazes de atender aos consumidores. E passa também pelo não pagamento de impostos por boa parte das empresas e da população, o que compromete programas sociais relativamente mais generosos que os dos países ricos do norte europeu.

    Mas o governo populista grego passa ao largo dessas questões, centrando a discussão na necessidade de gastos sociais e no sofrimento do povo, que é real.

    A triste ironia aparece com força nas grandes filas de aposentados desesperados diante dos bancos fechados. Esse desespero não é causado pela imposição de programas de ajuste, mas pelas atitudes do governo, que levam a um confronto com a União Europeia e ao risco de saída do euro, além de terem interrompido recuperação incipiente da economia. A população supostamente beneficiária dessa postura do governo teme suas consequências e fez saques maciços dos bancos quando pôde.

    Há solução ao drama grego. Na própria zona do euro, países como Espanha, Portugal e Irlanda enfrentaram crises duríssimas, mas começam a retomar o caminho do crescimento sustentável com reformas por mais competitividade, austeridade e ajuda europeia. Já o Reino Unido adota reformas ambiciosas para reajustar o tamanho do governo e elevar a competitividade e a capacidade de crescer. Nos EUA, o caminho da recuperação foi o mesmo. Reformas pela competitividade e ajuste nos gastos públicos (na época, acusado de levar o país a um abismo fiscal) recuperaram a força da maior economia do mundo.

    As saídas para a crise existem e já foram testadas. O sofrido povo grego tem a chance de trilhar esse caminho, mas são necessárias reformas para a economia poder crescer e criar empregos, abandonando o foco exclusivo em gastar ou não gastar recursos públicos.

    henrique meirelles

    Escreveu até maio de 2016

    É presidente do Conselho da J&F. Foi presidente do Banco Central de 2003 a 2010.

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