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    Hussein Kalout

    Reaproximação entre Rússia e Turquia revela novo xadrez de Erdogan

    22/08/2016 02h00

    Após sistêmicos fracassos diplomáticos, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, finalmente cedeu e foi ao encontro de seu homólogo russo, Vladimir Putin, para reatar as relações entre os dois países.

    Diversas hipóteses têm sido exploradas para matizar a súbita reaproximação entre Rússia e Turquia. A forma mais objetiva de entender a reaproximação entre Ancara e Moscou, porém, está no recado de Erdogan às potências ocidentais.

    Rússia e Turquia estão de olho no que virá após as eleições americanas. Por isso, o encontro se materializou sob temas cruciais para ambos os países, como: 1) a configuração das relações de Moscou e de Ancara com as potências ocidentais; 2) os desdobramentos da crise síria; 3) a promissora cooperação econômica e comercial turco-russa.

    Putin procura convencer Erdogan de que ambos são herdeiros de impérios históricos, ressaltando que a importância da Turquia em vista de seu posicionamento geográfico somente seria reavaliada, na visão do Ocidente, se houver uma guinada geopolítica turca mais ao Oriente.

    Sergei Karpukhin/Reuters
    Russian President Vladimir Putin (R) speaks to Turkish President Tayyip Erdogan during their meeting in St. Petersburg, Russia, August 9, 2016. REUTERS/Sergei Karpukhin ORG XMIT: MOS08
    O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan (à esq.), e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em agosto

    Moscou utiliza de forma calculada o isolamento internacional de Erdogan na fase do golpe e contragolpe para alcançar dois objetivos pontuais: distanciar a Turquia da Europa e debilitar a coesão da Otan.

    É importante relembrar que Turquia e Rússia haviam fixado uma meta de expandir o seu comércio bilateral ao patamar de US$ 100 bilhões e avançar rumo a um projeto nuclear conjunto em menos de uma década. Ambas as iniciativas ficaram prejudicadas devido à deterioração das relações bilaterais e às divergências sobre a crise síria.

    A terceira ponta da equação é a revisão da posição turca em relação ao regime sírio. A visita do chanceler iraniano, Mohammad Javad Zarif, a Ancara logo após o retorno de Erdogan da Rússia revela a importância do quadro que se avista.

    Moscou e Teerã já alertaram Ancara para o fato de a janela de oportunidade estar se estreitando e os objetivos políticos dos três atores serem delimitados pela decisiva batalha de Aleppo. O cenário que russos e iranianos traçaram para os turcos é que a fatura precisa ser liquidada antes do fim do mandato do americano Barack Obama.

    Isso significa derrotar a facção terrorista Estado Islâmico em Aleppo, enfraquecer os curdos e delimitar o papel da Arábia Saudita na configuração do novo status quo.

    Além disso, a simpatia de Hillary Clinton à causa curda é o calcanhar de aquiles do projeto "otomanista" de Erdogan. A aposta dos sauditas é na possível vitória da candidata democrata, a fim de alterar o curso dos acontecimentos na região, entre os quais, a revitalização de seu papel no contexto sírio.

    A desvalorização do papel da Turquia na geoestratégia do Oriente Médio tornou Erdogan vulnerável e prescindível. Por isso, os próximos passos de seu governo serão cruciais para sua sobrevivência geopolítica.

    Não foi à toa que a Rússia foi escolhida como primeiro destino do presidente turco no período pós-tentativa de golpe, assim como não é menos simbólico recepcionar o chanceler iraniano em Ancara para alinhar essa estratégia regional sustentada pelo eixo Moscou-Teerã-Ancara.

    Hussein Kalout

    Escreveu até fevereiro de 2017

    É cientista político, especialista em política internacional e Oriente Médio e pesquisador da Universidade Harvard. Foi consultor da ONU.

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