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    Hussein Kalout

    Discurso de Temer na ONU é uma nova largada para o Brasil

    19/09/2016 02h00

    A abertura da Assembleia Geral da ONU é um dos episódios mais relevantes da prática diplomática moderna, papel que, por tradição, cabe ao Brasil desde 1949.

    Para além do mero simbolismo, a honraria se converteu em trunfo estratégico do país para demarcar sua posição e avançar seus interesses externos.

    Nos últimos anos, contudo, os discursos sem substância do Brasil foram marcados por uma visão desequilibrada do sistema internacional e guiados por retórica esquálida.

    Pedro Ladeira/Folhapress
    BRASILIA, DF, BRASIL, 14-09-2016, 12h00: O presidente Michel Temer e o ministro da saúde Ricardo Barros durante cerimônia de anúncio de Ações de gestão para a melhoria da saúde pública, no Palácio do Planalto. Participa também Edson Rogatti, Presidente da confederação das Santas Casas de Misericórdia. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
    O presidente Michel Temer discursa durante cerimônia no Palácio do Planalto

    Sua tônica consistia em realçar peças propagandísticas de programas governamentais domésticos de duvidosa aderência aos interesses estratégicos internacionais do país.

    O Brasil desperdiçou seguidas oportunidades de aumentar seu capital diplomático ao não ser capaz de formular uma grande estratégia de atuação exterior que identificasse com precisão seus principais objetivos comerciais, econômicos e políticos e a forma de obtê-los.

    A dificuldade em articular uma grande estratégia levou o Brasil a implementar políticas ineficientes e contraditórias e a reagir passivamente às incertezas da ordem internacional. O processo decisório em política externa foi burocraticamente administrado em bases diárias, ad hoc, que revelou ausência de paradigmas e acentuado empirismo.

    O discurso de Michel Temer será, por isso, um dos mais aguardados, em vista da expectativa quanto aos novos eixos da política externa.

    Uma ruptura na abordagem é necessária. O discurso presidencial precisa contemplar quatro linhas fundamentais, que permitam ao Brasil voltar a sonhar com o status de ator global: resgatar a importância do papel geopolítico do país, sublinhar o potencial econômico-comercial nacional, reorientar pragmaticamente seu sistema global de alianças e parcerias estratégicas, sem submissão nem alinhamentos automáticos, e realçar a segurança jurídica das instituições brasileiras.

    O novo governo também precisa formular nova doutrina de política externa, bem articulada com outras instituições estatais, com o setor privado e com a sociedade civil, que alavanque os valiosos recursos estratégicos e instrumentos de poder do país. É preciso evitar, por exemplo, a armadilha de uma atuação externa focada somente em práticas e negociações comerciais obsoletas.

    Essa nova doutrina deveria ser erigida sob dois pilares: alianças necessárias e engajamento resolutivo.

    O discurso do presidente pode vir a ser um divisor de águas, devolvendo a política externa ao epicentro da agenda nacional. Temer parece demonstrar gosto pela diplomacia, além de compreender a dimensão política de seu engajamento para além de imediatos resultados matemáticos nas relações internacionais.

    É importante que o presidente projete em sua fala o Brasil do futuro, abandonando a atrofia política dos últimos discursos e resgatando a capacidade de formular uma agenda internacional pró-ativa.

    A construção dessa nova narrativa, fundada em revigorado modelo de inserção internacional, é fundamental para assegurar a defesa do interesse nacional e auxiliar na missão de retomada do crescimento, contribuindo para resgatar a identidade da política externa brasileira.

    Hussein Kalout

    Escreveu até fevereiro de 2017

    É cientista político, especialista em política internacional e Oriente Médio e pesquisador da Universidade Harvard. Foi consultor da ONU.

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