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    Hussein Kalout

    Para o regime sírio, recuperar Aleppo significa mostrar quem está perdendo

    09/01/2017 02h00

    Bassam Diab - 4.jan.2017/Acnur/Reuters
    Menino carrega uma cadeira de rodas por uma das ruas destruídas de um bairro de Aleppo, na Síria
    Menino carrega uma cadeira de rodas por uma das ruas destruídas de um bairro de Aleppo, na Síria

    A lógica por trás da reconquista de Aleppo pelo regime sírio e seus aliados vai, no fundo, um pouco além da simples retomada da segunda cidade mais importante do país, depois da capital, Damasco.

    Da perspectiva geoestratégica, recuperar Aleppo das mãos dos movimentos armados antirregime e de grupos terroristas como Jabhat Fateh al-Sham e Estado Islâmico corresponde, fundamentalmente, a plasmar uma nova equação geopolítica e exteriorizar, sem titubeios, quem são os derrotados nesse conflito regional.

    Na gramática política da coalização militar pró-Assad, reintegrar Aleppo à "Síria útil" resulta nas seguintes variáveis: 1) vincular o curso de quaisquer negociações diplomáticas entre regime e oposição à realidade do terreno; 2) impedir a fragmentação do país; 3) selar as principais passagens da fronteira norte com a Turquia, cortando as linhas de suprimento; 4) invalidar as já deterioradas cartas que turcos, sauditas, qatarianos e americanos ainda usavam para pressionar o regime sírio, Rússia e Irã e subsidiar os mais variados grupos armados.

    O anúncio de redução da presença militar russa na Síria é um sinal de que o regime está a salvo, e o cessar-fogo acordado significa que a deposição do governo não é mais a opção para a maioria dos jogadores envolvidos nessa tragédia humana.

    Se a Turquia, por um lado, paga altíssimo preço por sua escolha de se envolver no conflito de forma inconsequente, a Arábia Saudita recolhe os seus cacos na Síria e no Iêmen e se prepara para recalibrar as suas armas contra os iranianos, à espera da nova administração nos EUA.

    Apesar dessas reposições políticas no tabuleiro, veremos ainda, por um certo período, a balcanização da Síria nos moldes do vizinho Iraque. O sectarismo, as perseguições religiosas e os atentados terroristas, lamentavelmente, não são variáveis que tendem a se extinguir automaticamente com o eventual fim do conflito.

    A instabilidade na Síria seguirá como prioritária para alguns países da região, apesar de sua derrota no contexto geopolítico.

    Ancara, Riad e Doha, no fundo, subestimaram o valor estratégico da Síria para Moscou, Teerã e o Hizbullah, assim como a importância de Damasco para a coesão do "eixo da resistência" no âmbito da arquitetura da segurança regional do Oriente Médio. O fato é que a aliança pró-Síria sai politicamente fortalecida e organicamente mais integrada da perspectiva militar.

    Outro ponto que retrata a fragmentação da coalizão saudita-turco-americana é a aproximação entre turcos e russos e turcos e iranianos.

    O encontro de Astana, no Cazaquistão, que dará início às negociações de paz entre regime e oposição sírios, com o beneplácito de Moscou e a presença de Irã e Turquia, serve como indicativo para compreender quem são os detentores das rédeas dessa nova equação política em torno da questão.

    O sucesso de Astana poderia estancar a queda livre do poder da Turquia da região, ampliar a influência regional do Irã e recolocar a Rússia como poderoso ator militar e diplomático no Oriente Médio, de forma definitiva —preservando-se a estrutura do regime sírio.

    Agora é aguardar para ver qual será a diretriz da nova política externa dos EUA para a Síria e como isso se conjugará com o novo formato de poder médio-oriental.

    Hussein Kalout

    Escreveu até fevereiro de 2017

    É cientista político, especialista em política internacional e Oriente Médio e pesquisador da Universidade Harvard. Foi consultor da ONU.

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