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    Ian Bremmer

    Há chance de Marine Le Pen conquistar a Presidência da França

    17/04/2017 11h14

    Jean-François Monier/AFP
    A candidata da extrema direita, Marine Le Pen, discursa em comício em La Bazoche-Gouet
    A candidata da extrema direita, Marine Le Pen, discursa em comício em La Bazoche-Gouet

    Parece existir consenso de que Marine Le Pen, candidata da Frente Nacional, o partido francês de extrema direita, chegará ao segundo turno da eleição presidencial deste ano e nele será derrotada por um oponente mais convencional, por ampla margem. Foi o que aconteceu com o pai dela em 2002.

    Calma lá. Le Pen tem chance real de se tornar a próxima presidente da França. Se o fizer, pode causar estrago muito maior do que até mesmo ela pretende, para a economia da França e seu papel na Europa.

    As chances de vitória de Le Pen são maiores do que a maioria das pessoas imagina. Para começar, ela enfrenta um conjunto de adversários muito problemático. Benoit Hamon e Jean-Luc Mélenchon dividiram os votos da esquerda. François Fillon, o candidato do partido Les Républicains, de centro direita, foi fortemente abalado por acusações de corrupção. O candidato centrista Emmanuel Macron não foi testado até agora, e não tem base de apoio confiável. Le Pen pode não contar com apoio majoritário, mas seus eleitores parecem mais motivados que os de qualquer de seus rivais.

    Em novembro do ano passado, Donald Trump obteve o apoio de apenas 26% do total de eleitores possíveis nos Estados Unidos. Com a falta de entusiasmo pela candidatura de Hillary Clinton e a decisão de milhões de norte-americanos de ficar em casa no dia da votação, os 26% de eleitores apaixonados conquistados por Trump bastaram para lhe valer a vitória.

    Além disso como no caso de Trump e daqueles que batalharam pela saída britânica da União Europeia, Le Pen já demonstrou grande talento em apelar diretamente às ansiedades de milhões de eleitores sobre questões como o emprego, estagnação econômica, imigração e segurança.

    Quanto a todas essas questões, as manchetes daqui até a eleição provavelmente serão mais vantajosas para Le Pen do que para qualquer de seus oponentes, especialmente se acontecer outro ataque terrorista no coração da Europa ou se houver mais incidentes violentos entre a polícia francesa e os jovens raivosos das "banlieues", as periferias empobrecidas das grandes cidades do país.

    Um fato que melhora ainda mais as chances de Le Pen é que Macron, seu mais provável adversário no segundo turno, pode perder apoio dos eleitores de centro direita caso Le Pen use contra ele sua participação no governo do presidente François Hollande, profundamente impopular.

    Macron também é vulnerável em outras áreas. Ele ainda não enfrentou escândalos como os que abalaram a candidatura de Fillon, e o escrutínio que os acompanha, mas isso pode mudar. Da mesma forma que Hillary Clinton enfrentou vazamentos embaraçosos de origem incerta, Macron pode encontrar obstáculos semelhantes.

    Também é possível que o apoio à sua candidatura comece a cair antes do primeiro turno, e que o problemático Fillon chegue ao segundo turno. Nesse caso, os eleitores de esquerda é que podem optar por ficar em casa.

    Se Le Pen conseguir a vitória, os danos que causará à economia da França e à posição do país na Europa podem não acontecer por meios políticos. Ela não teria como propor um referendo sobre a participação da França na União Europeia ou na área do euro porque o artigo 11 da Constituição francesa só permite referendo sobre questões que não requerem mudança na Constituição. O artigo 88 da constituição da França estabelece a participação do país na União Europeia.

    E o partido de Le Pen tampouco elegerá legisladores em número suficiente, na eleição de junho, para que a Frente Nacional possa formar um governo próprio. Forçada a formar um governo com outro partido, provavelmente de centro direita, Le Pen não terá muitas influência na política interna –particularmente quanto a qualquer proposta de reformar a Constituição a fim de permitir que o país deixe a União Europeia ou a zona do euro.

    Mas, se ela vencer, a incerteza e inquietação que se seguirão à sua eleição causarão ondas de choque nos mercados financeiros. Se os administradores de reservas cambiais do planeta, que detêm cerca de 700 bilhões de euros em títulos de dívida do governo da França, decidirem vender grande quantidade desses papéis, é possível que o programa de relaxamento quantitativo do Banco Central Europeu não baste para compensar o movimento, o que resultaria em alta acentuada para as taxas dos títulos públicos franceses.

    Nesse caso, não está claro de onde poderia vir o socorro necessário. Ou as agências de classificação de crédito podem decidir que qualquer tentativa de alterar a denominação dos títulos de dívida franceses, o que Le Pen prometeu fazer, constitui calote, que viria acompanhado por uma crise de confiança nos quatro "bancos internacionais sistemicamente importantes" do país, causando uma corrida a todos os bancos da França.

    Em um cenário como esse, também poderíamos ver fuga de capitais, com correntistas e investidores franceses tentando tirar dinheiro do país.

    Não podemos prever como a presidente Le Pen responderia a essas pressões. E talvez nem ela mesma saiba. Mas uma emergência que force uma saída descoordenada da zona do euro criaria caos –para a França, para a Europa e para o mundo.

    IAN BREMMER é presidente do Eurasia Group e autor de "Superpower: Three Choices for America's Role in the World"

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    ian bremmer

    Doutor em ciência política pela Universidade Stanford, é fundador e presidente do Eurasia Group, principal consultoria de risco político dos EUA. Escreve às terças, mensalmente.

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