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    Ian Bremmer

    Reunificação da Coreia teria custo muito mais alto do que o da Alemanha

    14/05/2017 18h22

    Alencar Izidoro/Folhapress
    Funcionario do Ministerio da Defesa da Coreia do Sul observa vista da Coreia do Norte
    Funcionario do Ministerio da Defesa da Coreia do Sul observa vista da Coreia do Norte

    O grande problema para saber se a Coreia está prestes a explodir é avaliar quais palavras levar a sério e quais ignorar. Há anos os líderes da única dinastia familiar comunista do mundo vêm ameaçando afogar a Coreia do Sul, Estados Unidos e Japão em um mar de fogo.

    Presidentes americanos passados fizeram pouco-caso dessas ameaças e trabalharam nos bastidores com a China e a Coreia do Sul para encontrar maneiras seguras de endurecer a pressão sobre o regime. Mas as coisas mudaram, e é hora agora de o mundo prestar mais atenção. Há duas mudanças importantes.

    Em primeiro lugar, o presidente americano Donald Trump se mostra menos disposto que seus predecessores a lidar com as coisas discretamente.

    Em vez disso, Trump se aproximou da Coreia do Norte com navios de guerra e ameaçou "resolver" a questão do país, com ou sem a ajuda da China. Ele também disse que estaria disposto a se reunir com Kim Jong-un. Dependendo do que acontecesse nesse encontro hipotético, aumentaria a probabilidade ou de um acordo negociado ou de uma guerra.

    A segunda diferença é muito mais importante.

    Para sermos justos com Trump, uma reação mais assertiva se justifica, porque imagens de satélite nos revelam que a RDPC avançou substancialmente nos últimos anos na construção de um míssil balístico intercontinental capaz de alcançar os EUA continental -e na miniaturização de uma ogiva nuclear que o míssil poderia carregar.

    É por isso que o ex-presidente Obama avisou Trump que a Coreia do Norte provavelmente seria seu maior desafio de política externa. Negociar com um ditador absoluto errático é uma coisa; é outra coisa inteiramente quando o ditador em questão pode testar nossos sistemas de defesa, enviando um míssil com ogiva nuclear em direção a algumas de nossas maiores cidades. A destruição mutuamente assegurada seria capaz de deter Kim Jong-un? Não há como saber ao certo antes do momento sem retorno.

    As opções abertas a Trump não são melhores que as de Obama.

    Sanções não vão fazer Pyongyang mudar de ideia, porque a liderança não paga nenhum preço político pelo sofrimento imposto à população norte-coreana e porque sanções ajudam o governo de Kim convencer o povo que o mundo externo quer destruí-lo. A China, temerosa de que uma crise norte-coreana leve uma enxurrada de refugiados doentes e famintos a atravessar sua fronteira, dificilmente vai ajudar muito.

    Isto dito, não faltam pessoas calmas e controladas em volta do presidente Trump que vão deixar claro que ele não pode se dar ao luxo de lançar um ataque de surpresa e risco altíssimo, a não ser que e enquanto não ficar claro que todas as alternativas potenciais foram esgotadas. Os avisos dramáticos lançados pelo presidente ainda se dirigem principalmente à China, na esperança de que o presidente Xi Jinping intensifique drasticamente a pressão sobre Pyongyang.

    Trump também quer deixar claro aos aliados Coreia do Sul e Japão que ele compreende a gravidade da ameaça crescente -se bem que seus comentários recentes sobre a necessidade de a Coreia do Sul pagar por uma parte maior de sua defesa e renegociar seu acordo comercial com os EUA não vão ajudar.

    É possível que Trump também espere que seu discurso intransigente semeie dúvidas, possivelmente dissensão, no interior da liderança norte-coreana. Por enquanto, porém, a tecnologia de mísseis da RDPC ainda não chegou à zona de perigo, e Trump não está prestes a iniciar uma guerra.

    No entanto, tirando um conflito aberto, existe outro risco importante a considerar. Imagine o melhor cenário possível.

    Um golpe na Coreia do Norte leva a uma mudança de regime pacífica. A China intervém para assegurar o controle das armas e dos materiais nucleares, e Pequim acorda um plano para reunificar as Coreias do Norte e do Sul. O colapso norte-coreano deixaria mais de 25 milhões de pessoas sem país. Há também a questão de quem pagaria para reunificar as Coreias.

    As evidências sugerem que a reunificação da Coreia teria um custo muito mais alto que o da Alemanha. Quando o Muro de Berlim caiu, em 1989, a população da Alemanha oriental era um quarto da população da Alemanha ocidental, e sua renda per capita chegava a mais ou menos um terço da alemã ocidental. Apesar de separadas pela Cortina de Ferro, os laços comerciais entre as duas Alemanhas eram bem desenvolvidos. Já a população da Coreia do Norte é mais da metade da população sul-coreana, mas sua renda per capita chega a menos de 5% da sul-coreana. Os dois países praticamente não têm relações comerciais.

    Para criar qualquer coisa que chegue perto de uma paridade de prosperidade, a Coreia reunificada precisará de dezenas de bilhões de dólares por ano investidos em infraestrutura, educação e agricultura ao longo de várias décadas.

    E quão difícil será para milhões de norte-coreanos profundamente desorientados, arrancados dos botes salva-vidas de seu país isolado, encontrar trabalho em uma das economias e sociedades mais tecnologicamente avançadas do mundo?

    O que acontecerá com essas pessoas se não conseguirem encontrar trabalho?

    O mundo precisará de respostas a essas perguntas antes do momento em que Kim Jong-un tenha condições de lançar um ataque nuclear contra os EUA continental. Esse dia já está muito mais próximo do que qualquer pessoa fora da Coreia do Norte desejaria.

    Ian Bremmer é presidente do Eurasia Group e autor de "Superpower: Three Choices for America's Role in the World".

    Tradução de Clara Allain

    ian bremmer

    Doutor em ciência política pela Universidade Stanford, é fundador e presidente do Eurasia Group, principal consultoria de risco político dos EUA. Escreve às terças, mensalmente.

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