Alencar Izidoro/Folhapress | ||
Funcionario do Ministerio da Defesa da Coreia do Sul observa vista da Coreia do Norte |
-
-
Colunistas
Thursday, 02-May-2024 18:05:55 -03Ian Bremmer
Reunificação da Coreia teria custo muito mais alto do que o da Alemanha
14/05/2017 18h22
O grande problema para saber se a Coreia está prestes a explodir é avaliar quais palavras levar a sério e quais ignorar. Há anos os líderes da única dinastia familiar comunista do mundo vêm ameaçando afogar a Coreia do Sul, Estados Unidos e Japão em um mar de fogo.
Presidentes americanos passados fizeram pouco-caso dessas ameaças e trabalharam nos bastidores com a China e a Coreia do Sul para encontrar maneiras seguras de endurecer a pressão sobre o regime. Mas as coisas mudaram, e é hora agora de o mundo prestar mais atenção. Há duas mudanças importantes.
Em primeiro lugar, o presidente americano Donald Trump se mostra menos disposto que seus predecessores a lidar com as coisas discretamente.
Em vez disso, Trump se aproximou da Coreia do Norte com navios de guerra e ameaçou "resolver" a questão do país, com ou sem a ajuda da China. Ele também disse que estaria disposto a se reunir com Kim Jong-un. Dependendo do que acontecesse nesse encontro hipotético, aumentaria a probabilidade ou de um acordo negociado ou de uma guerra.
A segunda diferença é muito mais importante.
Para sermos justos com Trump, uma reação mais assertiva se justifica, porque imagens de satélite nos revelam que a RDPC avançou substancialmente nos últimos anos na construção de um míssil balístico intercontinental capaz de alcançar os EUA continental -e na miniaturização de uma ogiva nuclear que o míssil poderia carregar.
É por isso que o ex-presidente Obama avisou Trump que a Coreia do Norte provavelmente seria seu maior desafio de política externa. Negociar com um ditador absoluto errático é uma coisa; é outra coisa inteiramente quando o ditador em questão pode testar nossos sistemas de defesa, enviando um míssil com ogiva nuclear em direção a algumas de nossas maiores cidades. A destruição mutuamente assegurada seria capaz de deter Kim Jong-un? Não há como saber ao certo antes do momento sem retorno.
As opções abertas a Trump não são melhores que as de Obama.
Sanções não vão fazer Pyongyang mudar de ideia, porque a liderança não paga nenhum preço político pelo sofrimento imposto à população norte-coreana e porque sanções ajudam o governo de Kim convencer o povo que o mundo externo quer destruí-lo. A China, temerosa de que uma crise norte-coreana leve uma enxurrada de refugiados doentes e famintos a atravessar sua fronteira, dificilmente vai ajudar muito.
Isto dito, não faltam pessoas calmas e controladas em volta do presidente Trump que vão deixar claro que ele não pode se dar ao luxo de lançar um ataque de surpresa e risco altíssimo, a não ser que e enquanto não ficar claro que todas as alternativas potenciais foram esgotadas. Os avisos dramáticos lançados pelo presidente ainda se dirigem principalmente à China, na esperança de que o presidente Xi Jinping intensifique drasticamente a pressão sobre Pyongyang.
Trump também quer deixar claro aos aliados Coreia do Sul e Japão que ele compreende a gravidade da ameaça crescente -se bem que seus comentários recentes sobre a necessidade de a Coreia do Sul pagar por uma parte maior de sua defesa e renegociar seu acordo comercial com os EUA não vão ajudar.
É possível que Trump também espere que seu discurso intransigente semeie dúvidas, possivelmente dissensão, no interior da liderança norte-coreana. Por enquanto, porém, a tecnologia de mísseis da RDPC ainda não chegou à zona de perigo, e Trump não está prestes a iniciar uma guerra.
No entanto, tirando um conflito aberto, existe outro risco importante a considerar. Imagine o melhor cenário possível.
Um golpe na Coreia do Norte leva a uma mudança de regime pacífica. A China intervém para assegurar o controle das armas e dos materiais nucleares, e Pequim acorda um plano para reunificar as Coreias do Norte e do Sul. O colapso norte-coreano deixaria mais de 25 milhões de pessoas sem país. Há também a questão de quem pagaria para reunificar as Coreias.
As evidências sugerem que a reunificação da Coreia teria um custo muito mais alto que o da Alemanha. Quando o Muro de Berlim caiu, em 1989, a população da Alemanha oriental era um quarto da população da Alemanha ocidental, e sua renda per capita chegava a mais ou menos um terço da alemã ocidental. Apesar de separadas pela Cortina de Ferro, os laços comerciais entre as duas Alemanhas eram bem desenvolvidos. Já a população da Coreia do Norte é mais da metade da população sul-coreana, mas sua renda per capita chega a menos de 5% da sul-coreana. Os dois países praticamente não têm relações comerciais.
Para criar qualquer coisa que chegue perto de uma paridade de prosperidade, a Coreia reunificada precisará de dezenas de bilhões de dólares por ano investidos em infraestrutura, educação e agricultura ao longo de várias décadas.
E quão difícil será para milhões de norte-coreanos profundamente desorientados, arrancados dos botes salva-vidas de seu país isolado, encontrar trabalho em uma das economias e sociedades mais tecnologicamente avançadas do mundo?
O que acontecerá com essas pessoas se não conseguirem encontrar trabalho?
O mundo precisará de respostas a essas perguntas antes do momento em que Kim Jong-un tenha condições de lançar um ataque nuclear contra os EUA continental. Esse dia já está muito mais próximo do que qualquer pessoa fora da Coreia do Norte desejaria.
Ian Bremmer é presidente do Eurasia Group e autor de "Superpower: Three Choices for America's Role in the World".
Tradução de Clara Allain
Doutor em ciência política pela Universidade Stanford, é fundador e presidente do Eurasia Group, principal consultoria de risco político dos EUA. Escreve às terças, mensalmente.
Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br
Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.brPublicidade -