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    Ian Bremmer

    Saída dos EUA de acordo climático indica ausência de liderança no mundo

    06/06/2017 10h44

    A decisão de Donald Trump na semana passada de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris sobre a mudança climática enviou um sinal muito claro de que hoje vivemos em um mundo com gravidade zero, um mundo sem uma liderança consistente.

    Quem é o líder do mundo livre hoje? Não é Trump, o primeiro presidente americano desde os anos 1930 que não acredita que a liderança internacional seja do interesse dos EUA. Para Trump, tudo é uma transação. Ele não vê o mundo como uma comunidade –às vezes cooperativa, às vezes contenciosa–, mas como uma arena em que líderes fortes lutam pelo predomínio. Essa visão atrai a Trump pessoalmente, e ele sabe que seus leais apoiadores também a apreciam.

    Os europeus estão liderando o mundo livre hoje? Não exatamente. A aliança transatlântica vem se esvaziando gradualmente há muitos anos, e a eleição de Trump fez líderes veteranos como Angela Merkel, da Alemanha, e novos, como Emmanuel Macron, da França, buscarem apressadamente novas estratégias. Os americanos desconfiam da Otan (aliança militar ocidental), os britânicos estão deixando a União Europeia e os partidos políticos antieuropeus continuam avançando, mesmo que ainda não ganhem eleições.

    Merkel e Macron não parecem concordar sobre o melhor rumo para a Europa seguir, e se os líderes europeus não cumprirem as demandas de suas populações por mudanças as forças populistas que transformaram a política europeia nos últimos anos continuarão crescendo.

    O terreno também está mudando no Oriente Médio. Trump pode ter melhores relações com Vladimir Putin, da Rússia, com Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, e com o israelense Binyamin Netanyahu do que tinha Barack Obama, mas isso não traz uma nova ordem a uma região ainda volátil. Nos campos de batalha da Síria, os EUA, a Rússia, o Irã, a Turquia, a Arábia Saudita e Israel têm interesses claramente diferentes –e nenhum deles é forte o suficiente para impor sua vontade.

    A organização terrorista Estado Islâmico perderá o pouco terreno que lhe resta, mas continuará usando as novas ferramentas de mídia para inspirar seguidores, imitadores e os perturbados emocionalmente. O principal problema do terrorismo em um mundo de gravidade zero é que a desconfiança mútua, e não a necessidade reconhecida de compartilhar informação entre as agências de inteligência do mundo, é hoje a característica que define o ciberespaço. Em nenhum lugar a gravidade zero é mais evidente.

    Quem carrega o estandarte do livre comércio hoje? Os EUA, há muito tempo seu campeão, saíram da Parceria Transpacífico, um acordo de escala histórica que teria alinhado as grandes economias dos dois lados do Pacífico. Apesar dos melhores esforços do primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, os EUA parecem decididos a ficar fora do acordo, pelo menos enquanto Trump for presidente.

    Mas isto não tem a ver simplesmente com Trump. Lembre que os democratas Hillary Clinton (com relutância) e Bernie Sanders (de maneira enfática) também se opuseram ao TPP. Trump deixou claro que quer reescrever o Nafta (acordo de livre comércio da América do Norte) com o Canadá e o México. Um mega-acordo com a Europa, a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), hoje está enterrado sob o peso da oposição em diversos países. Ainda há acordos comerciais multilaterais genuinamente ambiciosos tomando forma, especialmente o novo acordo entre Canadá e EUA. Mas este é uma exceção.

    A China é o novo líder do comércio? Não exatamente. O presidente Xi Jinping ganhou manchetes no início deste ano no Fórum Econômico Mundial em Davos com uma defesa entusiástica do comércio global. "Praticar o protecionismo", advertiu ele, "é como trancar-se em um quarto escuro. O vento e a chuva podem ficar lá fora, mas também a luz e o ar."

    A Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP), liderada pela China, um acordo composto pelos dez países da Asean mais Austrália, China, Índia, Japão, Coreia do Sul e Nova Zelândia, envolve muito menos integração real de mercados que o mais ambicioso TPP. Ele pouco diz, por exemplo, sobre investimento, política intelectual e política de concorrência.

    Há também o projeto chinês "Um Cinturão, Uma Estrada", um plano enormemente ambicioso para dirigir investimentos maciços ao sul e ao centro da Ásia, para criar novos caminhos para o comércio entre a Ásia e a Europa. Se for executado com inteligência, esse projeto poderá constituir um impulso econômico histórico à China, à UE e a muitos países pobres entre eles.

    Infelizmente, não há garantias de que o dinheiro será investido por razões econômicas, e não políticas. A corrupção e a incompetência poderão retardar o progresso, restringir ambições e instigar conflitos políticos. A China tampouco está pronta para oferecer liderança com credibilidade por razões de segurança, e a incapacidade da China e dos EUA de trabalharem juntos para resolver o problema da Coreia do Norte sugere que esse conflito poderá prejudicar o comércio, mesmo no Extremo Oriente.

    O número de pontos de combustão globais e de "problemas sem fronteiras" continua crescendo, e não há planos cooperativos verossímeis para administrá-los, muito menos para resolver os problemas que os criaram. Por enquanto, parece que a ordem da gravidade zero veio para ficar.

    Traduzido por LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

    ian bremmer

    Doutor em ciência política pela Universidade Stanford, é fundador e presidente do Eurasia Group, principal consultoria de risco político dos EUA. Escreve às terças, mensalmente.

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