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    Ian Bremmer

    Uma geração após apartheid, África do Sul enfrenta nova transição

    07/10/2017 07h00

    Paulo Pinto/CBJ
     Sul-africanos protestam contra o governo Zuma na Cidade do Cabo
    Sul-africanos protestam contra o governo Zuma na Cidade do Cabo

    O fim pacífico do apartheid e a transição para a democracia na África do Sul foi uma das maiores conquistas do século 20.

    Uma geração depois, este país conturbado e seu partido governante rumam para um ponto de inflexão. Em dezembro, o Congresso Nacional Africano (CNA) escolherá um sucessor para o atual líder do partido (e presidente da África do Sul), Jacob Zuma.

    Enquanto as linhas da batalha são traçadas, o partido se vê à beira de uma divisão irreparável, e é cada vez maior a probabilidade de que perca a Presidência na próxima eleição, em 2019. A África do Sul poderá administrar mais uma transição pacífica —desta vez do CNA para a oposição? Ou o país está rumando para grandes comoções? Os sinais não são promissores.

    Uma década atrás, a economia da África do Sul estava se fortalecendo. De 2004 a 2008, um momento de alto crescimento dos mercados emergentes em todo o mundo, os altos preços do ouro, da platina, dos diamantes e do carvão que o país produz em abundância —e um surto de gastos do governo que o apogeu das matérias-primas permitiu—, permitiu à África do Sul crescer 4,8%. De 2009 a 2013, enquanto países ricos e pobres lutavam para se recuperar da desaceleração econômica global, o crescimento despencou para apenas 1,9%.

    Então as coisas pioraram. De 2014 a 2016, o crescimento caiu para 1,1%. Não é de surpreender que o número médio de protestos violentos subiu de 21 por ano durante os bons tempos (2004-2008) para 164 por ano mais recentemente (2014-2016). Há quase 20 milhões de sul-africanos entre 15 e 35 anos, e apenas 6,2 milhões deles estão empregados. O índice de desemprego jovem é o dobro do dos adultos, e entre os jovens negros quase quatro vezes (40%) maior que o dos brancos (11%).

    As promessas do atual governo de reverter as coisas não têm muita credibilidade.

    Zuma sobreviveu a quase 800 acusações separadas de fraude, lavagem de dinheiro e suborno, a uma decisão judicial de que ele violou a Constituição do país, a diversas moções de não confiança e a um julgamento por estupro. O governador do Banco Central da África do Sul agora pediu uma investigação pública das ligações entre Zuma, líderes empresariais e uma família de empresários indianos conhecidos como os Guptas.

    Para atrair seus seguidores, Zuma e seus aliados abandonaram as sólidas políticas econômicas dos primeiros anos da independência em favor de um populismo de esquerda que joga a culpa pela piora das condições econômicas em adversários internos e potências estrangeiras. O Estado usa altas tarifas e subsídios para proteger da concorrência as empresas estatais e os setores dominados pelo Estado. As proteções aos trabalhadores sindicalizados dificultam para os desempregados conseguir empregos.

    O Estado combate o desemprego gastando dinheiro que não tem para contratar mais funcionários públicos. A corrupção provocou violência. Houve dezenas de assassinatos por motivos políticos nos últimos meses no Estado de origem de Zuma, Kwazulu-Natal.

    Há uma facção no CNA que quer devolvê-lo a um caminho mais sustentável e está se preparando para um embate na conferência do partido, em dezembro. Zuma vai trabalhar para garantir que seu sucessor seja Nkosazana Dlamini-Zuma, sua ex-mulher e ex-chefe da Comissão da União Africana, supostamente porque ela poderá protegê-lo de processos quando ele não for mais presidente depois das eleições em 2019.

    Cyril Ramaphosa, um antigo líder do CNA que ganhou destaque como principal negociador do partido durante a transição do apartheid para a democracia, representa o maior desafio a esse plano. Se Ramaphosa perder em dezembro, provavelmente irá liderar uma facção fora do CNA e poderá se unir a uma coalizão chefiada pela centrista Aliança Democrática, assim como partidos e organizações de esquerda que querem o fim da era corrupta de Zuma.

    As tensões estão claramente aumentando. Uma reunião do CNA na província de Cabo Oriental em 1º de outubro foi perturbada por ativistas amotinados que atiraram cadeiras. "Estamos passando por momentos difíceis no CNA. A conferência de dezembro representa um farol de esperança de que renovaremos o CNA e uniremos o CNA", teria dito Ramaphosa à multidão depois que a ordem foi restabelecida.

    Os líderes do partido devem se lembrar de que há toda uma geração de sul-africanos que conhecem o CNA não como o partido da libertação, mas como o partido do poder. É cada vez mais provável que, haja o que houver no embate em dezembro, na próxima eleição o CNA perca esse poder. O que acontecerá a seguir colocará a África do Sul no caminho de seu futuro, para melhor ou para pior.

    ian bremmer

    Doutor em ciência política pela Universidade Stanford, é fundador e presidente do Eurasia Group, principal consultoria de risco político dos EUA. Escreve às terças, mensalmente.

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