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    Igor Gielow

    Embate entre Lula e Moro é lembrete claro da miséria institucional do Brasil

    19/04/2017 02h00

    Reprodução
    O ex-presidente Lula em vídeo do interrogatório de 48 minutos realizado na 10ª Vara Federal de Brasília; foi o primeiro depoimento dele como réu depois do começo da Lava Jato
    O ex-presidente Lula em vídeo de interrogatório realizado na 10ª Vara Federal de Brasília

    A expectativa em torno do primeiro embate direto entre Luiz Inácio Lula da Silva e Sérgio Moro é um triste lembrete da miséria institucional em que vivemos. Nada sugere que algo bom sairá do episódio.

    Recapitulando, em 3 de maio o juiz titular da 13ª Vara da Justiça Federal, em Curitiba, irá ouvir o ex-presidente e presidenciável petista por ter recebido favores (o famoso tríplex do Guarujá) e dinheiro (R$ 3,7 milhões, nada perto do que a Odebrecht andou contando) da empreiteira OAS.

    Se seria momentoso ver o presidente mais popular de tempos recentes e o juiz que encarna a moralidade na era da Lava Jato, a coisa toda desgovernou-se para o nível da refrega. Claques pró e contra Lula prometem bagunçar o quanto for possível a sempre certinha capital paranaense, e o grau de incivilidade registrado especialmente entre os que dizem que o petista está sendo levado ao patíbulo resvala o grotesco.

    A culpa é muito de Lula, que até há pouco estimulava animosidade contra o juiz. Mas também é de Moro, cujas escorregadas ocorrem justamente quando o petista é o personagem central de sua análise. Basta lembrar do episódio em que divulgou ilegalmente o diálogo entre a então presidente Dilma Rousseff e o antecessor sobre a tentativa de trazê-lo para o governo e garantir foro privilegiado —desastroso para o PT, ainda que anulado a posteriori.

    Moro mordeu a isca lulista ao decidir que o ex-presidente deveria acompanhar os depoimentos das 87 testemunhas arroladas por sua defesa em outro caso na Lava Jato. Ora, é óbvio que esta é uma vergonhosa manobra protelatória dos defensores de Lula, mas é legal. Coagi-la sugere obstrução do direito de defesa, dando carburante a tudo o que Lula quer neste momento: se passar por vítima, ainda que soterrado pelas evidências da delação da Odebrecht.

    Por fim, há uma resultante negativa de tudo isso. Eu já a chamei de "morolização" da Justiça, ou seja, quando o peso da toga se vê convertido em investidura missionária personalizada. Claro, é altamente positivo o saldo geral da Lava Jato e da atuação de Moro e seus similares em outros Estados, mas a fronteira entre rigor e brilho é muito porosa.

    Moro, contudo, não é nenhum tolo. Espera-se que conduza o interrogatório com a firmeza que faltou em evento semelhante ocorrido na Justiça Federal em Brasília, quando Lula quase subiu na mesa para falar bem do Bolsa Família ou alguma outra realização de seu governo.

    Institucionalmente, contudo, o dano está feito. Em tempos de dissolução moral da vida pública brasileira, é apenas mais uma nota de pesar.

    *

    Como disse uma influente figura do Parlamento ao comentar a tentativa de invasão desta terça (18), "o Paraguai está aí", numa referência aos protestos recentes que incendiaram o prédio do Congresso do país vizinho.

    Quando manifestantes que dizem representar policiais atacam o patrimônio público porque consideram suas sinecuras ameaçadas, e o que recebem em troca é uma passada de mão na cabeça e o recuo do relator da reforma da Previdência no item sobre o qual protestavam, parece que não é exagero o comentário.

    Como já está decantado, Michel Temer foi para o tudo ou nada para aprovar alguma coisa parecida com sua reforma original, visando obter o selo de aprovação da elite e, a depender do que passar, o carimbo de reformista que gostaria de receber da história. Se fracassar, será um zumbi rumo a 2018, no meio do deserto radioativo da Lava Jato. Fraquejar na primeira vidraça quebrada não insinua um bom caminho.

    igor gielow

    É repórter especial. Na Folha desde 1992, foi repórter, editor, correspondente, secretário de Redação e diretor da Sucursal de Brasília. Escreve às quartas.

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