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    Igor Gielow

    Ao governar para si, Temer acaba com as sobras da Nova República

    28/06/2017 07h16

    Eduardo Anizelli/Folhapress
    Presidente Michel Temer faz discurso no Palácio do Planalto na terça-feira (27)
    Presidente Michel Temer faz discurso no Palácio do Planalto na terça-feira (27)

    A crise quase terminal do governo de Michel Temer, e insisto no quase porque o peemedebista não se chama Dilma Rousseff, está levando ao epílogo do status quo implantado pela velha Nova República, inaugurada em 1985 e plasmada na Constituição de 1988.

    Risco e oportunidade se impõem do processo, que carrega em si uma mixórdia ética e moral sem tamanho. O presidente, neste momento, governa para si próprio, como o agressivo discurso desta terça (27) deixou claro. Reformas? Esqueçam.

    (O parêntese fica para a seguinte questão: alguém precisa preparar Temer para essas ocasiões, é a segunda vez que ele traz dados simplesmente errados para uma argumentação pública).

    Enfim, é quase irrelevante discutir as inúmeras falhas da denúncia da PGR e a lambança da delação da JBS se o objeto de observação for simplificado no seguinte: Temer nunca deveria ter tido aquela conversa com Joesley Batista. O que está dito lá é incompatível com o exercício do cargo, e não há corte ou edição sugerida que mude isso.

    (Segundo parêntese: a exposição dos erros e abusos de Rodrigo Janot vão ter influência não só no ritmo condenatório da Lava Jato quanto no destino da "Partido da Justiça". Poderão tolher ou acelerar as chances de um candidato que venha a emergir em 2018 dessa seara).

    O "silver lining" da barafunda, para usar expressão inglesa para a esperança que se vê nas bordas de uma nuvem carregada atingida pela luz solar, consiste na possibilidade de que alguma coisa melhor saia da crise, seja qual for o desfecho dela.

    O que seria isso? A revisão das bases representativas da política. A resposta mais óbvia seria a adoção do parlamentarismo, já que todo presidente precisa compor com uma maioria estável no Congresso para governar.
    A supracitada Dilma foi executada nessas condições, e Temer agora incinera sua pinguela para manter o semiparlamentarismo tão eficaz até a primeira crise que o atingiu diretamente.

    O triste é que estamos no Brasil, e um parlamentarismo daria no que a Itália do pós-guerra teve de pior: um gabinete caindo após o outro. Vamos combinar: com essa qualidade de políticos mandando a partir do Parlamento, imagine o que viraria o já denso cipoal de leis casuísticas do país se eles mandassem mais.

    O problema é que o presidencialismo de coalizão também morreu após 13 anos do projeto petista de poder, que instituiu uma espécie de terrorismo de Estado nos cofres da nação.

    Temer é apenas o posfácio trágico, plenamente constitucional antes que algum iludido venha dizer que Dilma foi vítima de um "golpe", da era Lula.

    Nos tratados que buscaram organizar práticas de alquimia nos séculos 16 e 17, a fase da "nigredo", a morte, a decomposição, invariavelmente fazia parte da transmutação da matéria em algo superior.

    Infelizmente, no caso brasileiro parece que estaremos condenados a chafurdar mais tempo nessa etapa. Isso porque, agora jogando a luz trevosa do pessimismo sobre a situação, as alternativas que se colocam são claramente salvacionistas ou incógnitas.

    O enredo do epílogo já está precificado. Temer ou Rodrigo Maia, que durará alguns minutos sem acusação da Lava Jato, tentarão pousar o avião em chamas em 2019. É o que acontecerá na turbulenta descida que deveria nos preocupar mais.

    Sempre haverá o aeroporto para alguns. Quer dizer, agora para alguns menos, já que a PF parou de imprimir passaportes.

    (Parêntese final: suspender emissão de documento de viagem na véspera das férias no momento em que o Planalto estuda trocar a direção da PF? O governo pode estar buscando asfixiar a polícia com menos grana, mas isso soa a outra coisa, inserida justamente no contexto de guerra institucional. Oremos).

    igor gielow

    É repórter especial. Na Folha desde 1992, foi repórter, editor, correspondente, secretário de Redação e diretor da Sucursal de Brasília. Escreve às quartas.

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