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    Igor Gielow

    Quando acabar ou for acabada, Lava Jato pode gerar novos atores políticos

    30/08/2017 07h00

    Theo Marques - 28.ago.17/Folhapress
    Curitiba, Parana, Brasil, 28-08-2017, 21h30 - Juizes federais Sergio Moro e Marcelo Bretas acompanham em Curitiba sessao de gala do filme 'Policia Federal - A Lei E Para Todos' sobre a operacao Lava Jato. (foto: Theo Marques/Folhapress - FSP-PODER) DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM
    O juiz Marcelo Bretas oferece pipoca ao colega Sergio Moro na pré-estreia de filme sobre a Lava Jato

    A Operação Lava Jato perdeu o ímpeto? As inúmeras flechadas disparadas pelo procurador-geral, Rodrigo Janot, estão fadadas a cair no vazio? Se sim, aquilo que será popularmente lido como uma vitória da impunidade ensejará o surgimento de uma geração de políticos forjados nos escaninhos da maior operação anticorrupção da história do país?

    As respostas não estão dadas, mas algumas sinalizações estão aí. Existe uma avaliação algo difusa na classe política, da esquerda à direita, de que a Lava Jato passa por um momento de desidratação. Concorrem para tal análise alguns pontos, a saber:

    1 - a estafa do público, que já não distingue denúncia A de acusação B. A coesão inicial da narrativa da Lava Jato, unindo pontas até então sempre escondidas das entranhas público-privadas do país, perdeu-se num cipoal de nomes e operações secundárias;
    2 - a vitória, e aqui não se discute mérito de lado a lado, da corporação política contra a Procuradoria-Geral da República no episódio da primeira denúncia contra o presidente Michel Temer. No STF, a possibilidade de a prisão em segunda instância ser revista;
    3 - o desgaste da PGR numa sucessão de episódios, do bizarro acordo da delação dos irmãos Batista até a incontinência acusatória de Janot, passando pelas fragilidades em inquéritos apontadas pela Polícia Federal.

    Espelhando a argumentação contrária, temos o seguinte:

    1 - o ferro quente da Lava Jato marca de forma indelével, justa ou injustamente. O caso de Aécio Neves talvez seja o mais vistoso: independentemente do resultado das apurações e do fato de que ele segue operando, sua imagem foi devastada. E uma flechada certeira ainda pode em tese derrubar Temer, por improvável que pareça;
    2 - até aqui, a reação para o "estancamento da sangria" foi tímida em resultados. Ainda não estão colocadas, apesar de prontas para tal, iniciativas concretas para amarrar a PF ou a PGR. A disputa interna no STF sobre a segunda instância e mesmo a suspeição colocada contra Gilmar Mendes indicam um conto inconcluso;
    3 - O surgimento de novos inquéritos contra personagens poderosos, e a expectativa de que a nova procuradora-geral, Raquel Dodge, não irá manchar seu nome patrocinando algo visto como um acordão.

    Os pulsos emanados da nebulosa que encerra essas questões são contraditórios. A recente eleição do Amazonas não significa nada em termos nacionais, pois são dinâmicas distintas, mas o fastio público (abstenção, brancos e nulos) somado à disputa entre dinossauros políticos (onde está o "novo"?) são dados a registrar.

    Do universo simbólico, os clarões mais luminosos vieram do juiz Sergio Moro.

    Sua reação à acusação de que um advogado amigo negociava acordos por fora na Lava Jato chamou mais atenção do que a insinuação em si. Moro tratou de desqualificar o acusador, chamando-o de "delator foragido". Há nuances óbvias, até porque o delator em questão não chegou a ter a delação aceita, mas é impossível ignorar a ironia de ver o juiz que tanto valorizou o instituto da delação partir para essa linha.

    Para todos os efeitos, Moro piscou.

    Além disso, houve sua estreia no tapete vermelho do cinema para assistir à pré-estreia de um filme sobre a Lava Jato. Nada contra vida pessoal de magistrados, mas um pouco de recato seria desejável. Moro pisou na bola algumas vezes no curso da Lava Jato, mas seu trabalho é de importância ímpar na história recente do país.

    Cabe aos juízes moderação, algo que lamentavelmente não se vê, por exemplo, no embate entre Gilmar Mendes e Marcelo Bretas sobre o destino do "rei do ônibus" do Rio. Como imagem é tudo, Moro poderia poupar-se de dar munição à crítica.

    A Lava Jato já é marcada por estrelismo e voluntarismo de caráter messiânico por parte de alguns de seus integrantes da ponta, voltando ao questionamento do início desse texto. Na Itália da sua inspiração, a Operação Mãos Limpas, investigadores e magistrados entraram na política após disputas semelhantes e a efetiva reação congressual para esvaziá-la. Como lamentou em entrevista o historiador Giovanni Orsina, os protagonistas viraram agentes políticos, a começar pelo magistrado-símbolo da operação, Antonio di Pietro.

    O próprio Janot já disse é possível vislumbrar o fim natural da Lava Jato, isso se ela não for asfixiada. Se ela já começou a metamorfosear-se, rapidamente saberemos, assim como o eventual conteúdo de sua crisálida política. Caberá ao país decidir o que fazer ao ser confrontado com tal cenário, isso se não estiver entretido com candidatos ao posto de Silvio Berlusconi tropical.

    igor gielow

    É repórter especial. Na Folha desde 1992, foi repórter, editor, correspondente, secretário de Redação e diretor da Sucursal de Brasília. Escreve às quartas.

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