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    Igor Gielow

    Fazer ponte entre otimismo da Bolsa e tragédia da Rocinha é desafio de 2018

    27/09/2017 02h00

    Ricardo Moraes - 22.set.17/Reuters
    Soldiers take up a position during an operation after violent clashes between drug gangs in Rocinha slum in Rio de Janeiro, Brazil, September 22, 2017. REUTERS/Ricardo Moraes TPX IMAGES OF THE DAY ORG XMIT: RJO19
    Soldados tomam posição durante operação na Rocinha, a maior favela do país, que está conflagrada

    O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso costuma dizer que o chamado mercado não conhece nada da realidade política de Brasília, os meandros do Congresso e suas negociatas. E vice-versa, o que leva a inevitáveis curtos-circuitos na dinâmica da evolução de políticas públicas no país.

    Acho até benigna a avaliação. Acrescentaria na equação a tal da vida real, cujo descolamento da visão de mundo oriunda do mundo das finanças se fez evidente ao paroxismo nas últimas semanas.

    Basta olhar a curva de apreciação de ativos na Bolsa brasileira e o comportamento de dólar, juros futuros e afins. Alguém está ganhando bastante dinheiro com esse otimismo irracional, quase destrambelhado dadas as famosas "condições objetivas" do país.

    Até aí, é como o jogo funciona. Ele instrumentaliza até desejos deste capital financeiro, mas também daquele que lida com a economia real, de que há um candidato a presidente pronto para uso: Henrique Meirelles.

    Há precedentes para tanto, como o então ministro da Fazenda FHC pode atestar. Mas em 1994 o tucano tinha décadas de vida política e partidária, conhecia a realidade de Brasília e dos mercados, e tudo isso foi coroado pela tacada de mestre coletiva do Plano Real. Era o famoso homem certo, na hora certa, no lugar certo.

    Meirelles, com todo o talento para arregimentar consensos nos andares superiores que tem, não enverga um Real para apresentar. A mixórdia política da gestão Temer embaçou o plano de chegar a 2018 com a economia em verdadeira recuperação, que permitiria vender a esperança que tanto falta nas ruas: é a economia, estúpido, como diria o marqueteiro de Bill Clinton.

    Ainda assim, o bom desempenho relativo dos números até aqui inflou o balão de Meirelles, tanto que o seu PSD errou a mão e o lançou candidato antes da hora. Ele tem ojeriza a queimar a largada, sabendo certamente de suas limitações como produto eleitoral. "Meirelles, o homem das reformas" não parece um slogan que vá colar num país cujo grosso da população comprou a agenda mistificadora da esquerda patrimonialista, de que mexer com a Previdência é pecado e tal.

    Isso dito, ele seguirá sendo noiva enquanto não se afunila a corrida -e, quem se arrisca?, pode até surpreender. Com a provável ausência de Lula por motivos de Lava Jato e para a sorte do petista, que evitará um vexame no segundo turno, o zunzum ficará por ora entre os nomes na praça. Alckmin, Doria, algum petista boi de piranha, Bolsonaro, Marina e/ou alguém do mundo judicial, nanicos afins.

    As regras existentes e em discussão dificultam a emergência de novidades, que de todo modo não têm capilaridade alguma provada. Se aprovada no Senado, a emenda que limita as doações de pessoas físicas a 10 salários mínimos não atrapalha apenas uma candidatura Doria, mas abate gente como o João Amoêdo (Novo). Com o monstro de Frankenstein da reforma política urrando na mesa de cirurgia, a ideia de um financiamento racional (privado, por favor, com amarras) é o primeiro pedaço a ser extirpado.

    Seja como for, um desses nomes terá de promover a ligação entre esse mundo milenarista dos mercados, no qual já vivemos na Suécia possível, e o Sudão do Sul da realidade social brasileira, cuja recessão que Temer herdou do condomínio Lula/Dilma só fez piorar.

    Em cada tiroteio na Rocinha mora a bala perdida que mina a educação do país que não sabe fazer contas ou interpretar texto, além de atingir crianças. As pobres, na carne e no terror do cotidiano. As ricas, no medo incutido pelo agora renovado temor de sequestros que fecha a porta de colégios.

    A polarização inconsequente à esquerda e à direita, alimentada nos setores médios pelo Leviatã de Zuckerberg e companhia, só adensa o nevoeiro em que nos encontramos. Como avançar soluções de amplo espectro nesse cenário, com nosso sistema político-eleitoral? Temo que a resposta se dará apenas por quem achar um fio condutor de mais fácil vendagem, o que invariavelmente sacrifica o resto.

    igor gielow

    É repórter especial. Na Folha desde 1992, foi repórter, editor, correspondente, secretário de Redação e diretor da Sucursal de Brasília. Escreve às quartas.

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