• Colunistas

    Monday, 06-May-2024 09:57:55 -03
    Igor Gielow

    Em meio à confusão que antecede 2018, Temer inicia o fim do governo

    25/10/2017 07h00

    Para todos os efeitos práticos, o governo provisório de Michel Temer começa a acabar nesta quarta-feira (25) com a votação que presumivelmente irá livrar o presidente da segunda acusação feita pela Procuradoria-Geral da República.

    Muitas boas árvores morreram (piada de jornalista do século 20) para explicar ao público que 15 votos a mais ou a menos irão determinar a capacidade do governo deixar impressa na história do país sua marca e, com sorte, ajudar a fazer o sucessor.

    Não é bem assim. Primeiro, porque o interesse numa agenda mínima reformista não é só do Planalto ou da Câmara, mas de todo o conjunto que pretende se ver eleito com apoio dos mercados em 2018.

    Será um arremedo visando manter alguma ordem unida quando as peças se encaixarem no tabuleiro de 2018. Ao fim, se todos não acabarem juntos, o risco de derrota é bem maior -2002, que tinha outras peculiaridades como a conversão forçada de Lula, deve martelar a cabeça da turma.

    Como o cenário ainda está deveras indefinido (Lula ou preposto, "terceira via" a definir, Alckmin confirmado ou não, papel de Doria, Meirelles etc.), o melhor que o Planalto pode fazer é garantir alguma previsibilidade -o "é melhor para o país" que Temer fique, decretado desta feita pelo governador paulista, não seria mais eloquente. O resto o tempo de TV e o Fundo Partidário à disposição do PMDB vão garantir por gravidade.

    Evidentemente, uma melhoria mais sensível nos indicadores econômicos, ainda que não seja o "boom" de empregos sonhado por Henrique Meirelles, vai vitaminar um discurso que não poderá ser governista por impopular, mas de defesa de itens em uso hoje.

    De todo modo, qualquer coisa será pouca —a infeliz pessoa a sentar-se no gabinete presidencial em 2019 terá um trabalho hercúleo, se não de Sísifo, à frente. Como bem escreveu Delfim Netto, nem de longe um prócer do oposicionismo, se estamos bem conjunturalmente, estruturalmente tudo está para ser feito.

    Tome por exemplo o tarifaço de energia elétrica que a Aneel aprovou, com 43% de aumento previsto. Se não estivéssemos com a inflação civilizadíssima, uma conjuntura, a bomba teria um impacto muito maior. O ponto é que o reajuste reflete uma estrutura tarifária deteriorada e um sistema que precisa ser repensado como um todo -o enésimo legado maléfico daquela que se considerava a czarina do setor elétrico, Dilma Rousseff.

    Temer logrou executar dois feitos. O primeiro foi o de apostar corretamente em tentar tirar o país do buraco econômico. É um processo falho mas, salvo intercorrências, o saldo será positivo. O segundo foi ter sobrevivido à carga da Procuradoria no caso JBS.

    Aqui não há beleza a ser descrita. Temer surpreendeu mesmo aliados com sua resiliência, ao custo de concessões e do reforço das práticas de sempre no Congresso. De quebra, contou com a imperícia de Rodrigo Janot para sustentar um caso de perseguição, embora isso não mude a natureza ofensiva à ética no episódio flagrado. Isso não esteriliza a eventualidade de a Procuradoria voltar à carga, mas o tempo parece exíguo agora.

    No processo, o Brasil da política mostrou-se em toda sua plenitude, um entorpecido e balofo Jabba the Hutt refestelando-se numa fortaleza remota de um planeta perdido em algum episódio de "Star Wars". A decadência está em todas as partes: o que sobrou do PT agarrado à efígie de Lula, o PSDB num processo autofágico bizarro, a anemia de lideranças que leva a exuberâncias como o balão Luciano Huck ou a bolha Bolsonaro.

    Ambas as instâncias estão intercaladas, a econômica e a política, por óbvio. Assim, o clima miasmático da política infecta expectativas de agentes econômicos, que de quebra não trouxeram empregos a ponto de induzir algum fenômeno eleitoral. A marcha ainda é lenta.

    Assim, é mais prudente esperar que a gestão Temer inicie procedimentos de descida. Isso não implica tirar o peso da caneta, o que é natural. Decisões importantes e com repercussão poderão ser tomadas, mas o que explicito aqui é o norte do caráter mínimo desenhado. O Temer proativo do primeiro ano no cargo teria de operar um segundo milagre para mudar ressuscitar.

    A rigor, de dezembro a março só haverá pré-campanha, e dali para a frente, a carnificina aberta. Resta torcer para que o governo não faça grandes bobagens até lá, e é esse o melhor legado que poderá deixar.

    igor gielow

    É repórter especial. Na Folha desde 1992, foi repórter, editor, correspondente, secretário de Redação e diretor da Sucursal de Brasília. Escreve às quartas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024