A facilidade reprodutiva dos coelhos já inspirou ditados e contos populares. Portanto, nunca hesitei na hora de manter os meus pets de orelhas compridas num rígido esquema de separação entre gêneros. Também sempre cuidei para que os machos não cruzassem seus caminhos. Nesse caso, costuma sair briga.
Minha família cunicular é composta por Quincas, Maneco, a Lili e a Popó. Recentemente, resolvi construir um coelhário mais amplo, para aumentar o conforto dos animais. E decidi também castrar os machos, para que pudessem dividir, em turnos separados, o espaço livremente com as fêmeas, sem risco de aumento populacional em progressão geométrica.
Quincas e Maneco acabaram na mesa de cirurgia. O pós-operatório foi bem mais simples do que imaginava. Mas o veterinário advertiu: apesar da castração, os coelhos teriam capacidade reprodutiva ainda nas próximas semanas. Terminado o período, poderíamos misturar a turma, sem risco de acasalamento.
Há poucos dias, encontramos bastante sangue pelo chão do viveiro. Um exame visual nos quatro coelhos foi incapaz de determinar a origem do sangramento. Pensamos que algum deles pudesse ter se ferido ao fazer alguma estripulia.
Ledo engano. Na manhã seguinte, encontramos fetos mal formados no coelhário. Lili, para nossa surpresa, havia sofrido um aborto. Inexperientes, fomos incapazes de notar qualquer alteração na coelha, visual ou de comportamento. E percebemos que, num descuido, um macho havia entrado em contato com as fêmeas antes do prazo indicado.
A angústia tomou conta naquela manhã de domingo. Estávamos muito preocupados com a saúde da Lili. Fracassavam as tentativas de localizar algum veterinário de plantão e que atendesse coelhos.
Ficamos mais tranquilos quando Lili passou a se alimentar. Aceitou saborear um naco de maçã. A recuperação avançou. E aumentei drasticamente minha leitura sobre a vida dos coelhos.
Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e em Pequim. Na coluna, fala sobre relações internacionais, com atenção especial ao Oriente Médio. Escreve às segundas, a cada duas semanas.