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    Jaime Spitzcovsky

    Putin, Merkel e o Big Ben

    20/06/2016 02h00

    Quando os britânicos votarem sobre eventual saída do país da União Europeia, dois líderes globais acompanharão o processo com especial atenção, pois o resultado das urnas terá impacto relevante em suas políticas externas.

    Em Berlim, a chanceler Angela Merkel torce para a manutenção da coesão de um projeto ambicioso, a integração continental, sob incontestável liderança germânica.

    A cerca de 2,5 mil quilômetros de Londres, atrás das muralhas do Kremlin, o presidente Vladimir Putin vai monitorar a votação de olho em sua estratégia para as relações com a União Europeia.

    Os laços bilaterais atravessam o pior momento desde o fim da Guerra Fria, em ambiente contaminado pela crise da Ucrânia, iniciada há quase três anos.

    Naquele momento, chegaram ao poder em Kiev, capital ucraniana, forças políticas dispostas a posicionar a Alemanha como principal parceiro político do país, tirando da Rússia a condição de aliado prioritário da Ucrânia. Para Berlim, importante passo na expansão de peso diplomático e econômico rumo à Europa oriental. Para Moscou, grave derrota geopolítica, com a perda de mais uma fatia de influência em terras europeias.

    Com o revés ucraniano, Putin reagiu. Anexou a península da Crimeia, território cedido por Moscou a Kiev em 1954, e passou a insuflar separatistas pró-Rússia na Ucrânia. EUA e Alemanha impuseram sanções econômicas e ensaiam mais uma onda de expansão da Otan, a aliança militar liderada por Washington, em países dominados num passado recente pela mão pesada do militarismo soviético.

    O sismo ucraniano corresponde a mais um capítulo do enredo a modelar a Europa do século 21. Com o colapso da URSS em 1991, e o fim do bloco soviético nas porções orientais do continente, EUA e Alemanha diagnosticaram a chance histórica de estender sua hegemonia a áreas antes dominadas pelo Kremlin. Usam a União Europeia como ferramenta política e econômica, e a Otan como bisturi militar para redesenhar zonas de influência, com a inclusão de países como Polônia, Hungria, Lituânia, entre outros.

    O Kremlin, portanto, lê a União Europeia como ponta de lança da estratégia alemã de esticar seu manto sobre o continente, isolando a Rússia. Se os britânicos, nesta quinta, votarem pela saída do bloco, Putin não deverá lamentar. Enfraquecimento da iniciativa teutônica significa boas notícias para o Kremlin.

    Recentemente, Mikhail Gorbatchev, o ex-presidente soviético, resgatou sua tese da Casa Comum Europeia, lançada na era da perestroika. Segundo o projeto, em vez de uma UE capitaneada por Berlim, seria montada uma arquitetura de cooperação em bases multilaterais, proposta rejeitada por EUA e Alemanha, ansiosas por consolidar posições na Europa.

    Merkel e Putin, apesar das diferenças, mantêm diálogo frequente. Dizem cultivar respeito mútuo. Mas a conversa flui também por motivos linguísticos. Nascida na Alemanha Oriental, Merkel domina o idioma russo, enquanto Putin, ex-funcionário da KGB no regime comunista alemão, se expressa com fluência na língua de Goethe.

    jaime spitzcovsky

    Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e em Pequim. Na coluna, fala sobre relações internacionais, com atenção especial ao Oriente Médio. Escreve às segundas, a cada duas semanas.

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