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    Jaime Spitzcovsky

    Campanha nos EUA mira Putin e recupera fantasma da Guerra Fria

    24/10/2016 02h00

    A campanha presidencial dos EUA, com acusações de assédio sexual eclipsando duelos programáticos, deteriora um dos vetores mais importantes da estabilidade global, o diálogo entre Washington e Moscou. Cambaleante há anos, a relação bilateral sofre ainda mais com as posições antagônicas nas trágicas guerras da Síria e da Ucrânia, e a corrida à Casa Branca se encarrega de adicionar toxicidade aos vínculos entre os dois países.

    Resultado: EUA e Rússia protagonizam atualmente o pior momento de seus laços desde o fim da Guerra Fria. E o preço principal pela desavença se verifica em solo sírio e ucraniano, com as mortes trágicas de milhares de civis. Um diálogo fluído entre Moscou e Washington certamente estancaria a mortandade.

    A origem da crise bilateral reside nas visões antagônicas, em Moscou e em Washington, sobre o significado da desintegração do império soviético, em 1991.

    Para os EUA, em abordagem geralmente compartilhada por republicanos e democratas, a debacle da URSS corresponde a oportunidade histórica de esvaziar o poder de Moscou e impedir que a capital volte a sediar uma ameaça geopolítica em escala global.

    Portanto, segue a lógica, expandir a influência da Otan, aliança militar liderada pelos EUA, aos mais longínquos rincões da Europa oriental é ferramenta valiosa para fazer a Rússia desistir de aventuras expansionistas.

    Para lideranças russas, de Boris Yeltsin a Vladimir Putin, o desmonte da URSS significou uma estratégia para buscar aproximação com países ocidentais, aceitando a perspectiva histórica de enfraquecimento de ambições imperiais. Em troca do fim da confrontação, o Kremlin esperava receber incentivos econômicos e políticos.

    Putin e seu entourage calculavam avizinhar-se com adversários dos tempos da Guerra Fria sob um limite: a capacidade de Moscou de manter em sua área de influência países limítrofes, como a Ucrânia, descritos em russo como "o exterior próximo". Os EUA rejeitam o jogo proposto pela Rússia e cogitam, por exemplo, a entrada da Ucrânia na Otan. Argumentam avaliar o Kremlin mais como ameaça em potencial do que como eventual parceiro.

    Petras Malukas/AFP
    Grafite em muro em Vilna, capital da Lituânia, retrata Putin e Trump se beijando
    Grafite em muro em Vilna, capital da Lituânia, retrata Putin e Trump se beijando

    Esse pano de fundo, de visões conflitantes sobre o pós-Guerra Fria, corrói laços bilaterais. E, na campanha norte-americana, Putin se transformou em um dos temas centrais, a alimentar a polarização Trump-Hillary. A candidata democrata elegeu o presidente russo como um de seus principais adversários. Vem acusando o Kremlin de hackear e-mails de assessores e do comitê nacional de seu partido, a fim de favorecer Donald Trump. Moscou rebate as acusações.

    O candidato republicano, envolto na retórica demagógica do "líder forte", rasga elogios a Vladimir Putin. Promete, se eleito, trabalhar pela reaproximação entre os países.

    Como as chances maiores de vitória se aninham no campo democrata, resta torcer para que a eventual Casa Branca de Hillary e o Kremlin de Putin baixem o tom elevado da discórdia. Trata-se de passo elementar para enfrentar a chaga da guerra e o fantasma da instabilidade global.

    jaime spitzcovsky

    Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e em Pequim. Na coluna, fala sobre relações internacionais, com atenção especial ao Oriente Médio. Escreve às segundas, a cada duas semanas.

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