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    Jaime Spitzcovsky

    Em 25 anos, democracia dos EUA vai da euforia à depressão

    07/11/2016 02h00

    Do fim da história ao fim da picada. Em 25 anos, os EUA e sua democracia viajaram da euforia à depressão. Comemoraram, em 1989, o triunfo na Guerra Fria e trombetearam a vantagem abissal de seu sistema político e econômico sobre rivais históricos.

    O norte-americano Francis Fukuyama, à época o pensador da moda, decretou o fim da história, ao defender a preponderância e eternização de valores do "american way of life", como liberalismo econômico e democracia representativa. A tese, com contornos messiânicos, se desmanchou no ar, e a nau histórica prosseguiu viagem.

    Fukuyama não anteviu a mais deprimente campanha eleitoral da história da vigorosa democracia de seu país. A euforia de outrora deu lugar a sentimentos sombrios, a um pessimismo difuso sobre o estado atual do sistema político norte-americano, carcomido por tóxica crise de representatividade.

    Donald Trump e Hillary Clinton amealham, em pesquisas de opinião, taxas recordes de rejeição. Protagonizam uma campanha pobre em debates programáticos e rica em ataques pessoais.

    Na largada, a história já se delineava pouco promissora em termos de oxigenação política. Há cerca de um ano, no início das primárias, o cenário descrito como mais provável para a eleição reunia dois dos mais poderosos clãs partidários do país: Clinton e Bush. Porém, Jeb, representante da nova geração com aspirações presidenciais, tropeçou no meteoro populista de Trump e abandonou o palco.

    Há algo putrefato na política quando uma sociedade dinâmica como a norte-americana inaugura a corrida à Casa Branca com sobrenomes praticamente hegemônicos nas estruturas partidárias nas últimas décadas. As dinastias políticas pareceram se mobilizar também em resposta a ventos renovadores da eleição de Barack Obama, em 2008.

    Na campanha atual, incomodadas com o status quo, parcelas mais jovens do eleitorado encontraram na disputa democrata uma liderança para capitanear a onda de questionamentos. O papel de contestador, ironicamente, coube a um veterano, o senador Bernie Sanders.

    Deixam ainda marcas indeléveis nesta corrida eleitoral ações como vazamentos de áudios de conteúdo sexual, descritos por Trump como "conversa de vestiário", e acusações de assédio a mulheres ao candidato republicano e a Bill Clinton. Debates de conteúdo sobre rumos da maior potência do planeta habitaram o segundo plano.

    Terminada a eleição, o novo ocupante da Casa Branca enfrentará a árdua missão de reduzir os níveis elevados de polarização no plano doméstico. No cenário externo, vai se desdobrar para diminuir estragos impostos à imagem do sistema político norte-americano, a fim de preservar inquestionável liderança global.

    A saga dos EUA escancara desafio observado em vários países. Enquanto sociedades civis se transformam, no século 21, em velocidade e intensidade sem precedentes, seus sistemas políticos, paquidérmicos e apegados a privilégios, resistem a mudanças. O resultado é a chamada crise de representatividade, ameaça assustadora à democracia contemporânea.

    jaime spitzcovsky

    Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e em Pequim. Na coluna, fala sobre relações internacionais, com atenção especial ao Oriente Médio. Escreve às segundas, a cada duas semanas.

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