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    Jaime Spitzcovsky

    Democracia à asiática

    13/03/2017 02h00

    Choi Jae-koo/Associated Press
    Ousted South Korea's former President Park Geun-hye, center, arrives at her private home in Seoul, South Korea, Sunday, March 12, 2017. Park on Sunday expressed defiance toward the corruption allegations against her as she vacated the presidential palace and returned to her home two days after the Constitutional Court removed her from office. (Choi Jae-koo/Yonhap via AP) ORG XMIT: XSEL801
    A ex-presidente da Coreia do Sul, Park Geun-hye, (centro), que teve o mandato cassado

    O impeachment da presidente sul-coreana, Park Geun-hye, evidencia avanços da democracia em paragens orientais e enterra o debate, alimentado sobretudo no final dos anos 1990, sobre suposta incompatibilidade entre "valores tradicionais asiáticos" e regimes democráticos. Coreia do Sul e Taiwan, por exemplo, em pouco mais de duas décadas, se livraram de ditaduras e modernizaram o cenário político, sem devastar pilares de suas culturas e tradições.

    O Japão, com a ordenação política no pós-Segunda Guerra Mundial, já colocou em xeque a noção de que o solo asiático seria infértil à construção democrática. Mas, enquanto o parlamentarismo japonês se enraizava, vizinhos mergulhavam na escuridão de ditaduras como a de Park Chung-hee (1917-1979), na Coreia do Sul, e de Chiang Kai-shek (1887-1975), em Taiwan.

    Na imensidão asiática, os dois pequenos países colecionam semelhanças. Experimentaram a violência do colonialismo japonês, no começo do século 20. Depois da vitória aliada em 1945, transformaram-se, ao lado do Japão, em bastiões da estratégia norte-americana para combater a expansão comunista no Extremo Oriente.

    Após a onda industrializante no Japão, advieram outros "milagres econômicos" no continente, sempre sob beneplácito dos EUA.

    Surgiram, nos anos 1970, os "tigres asiáticos": Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura, com bússolas voltadas à exportação, por exemplo, de bens de consumo.

    Saciados pelo crescimento econômico intenso, Coreia do Sul e Taiwan começaram a desmontar, no final da década de 1980, suas ditaduras. Outros tigres trilharam sendas diferentes.

    Hong Kong, em 1997, retornou ao controle da China, após mais de 150 anos de domínio britânico, enquanto Cingapura afiava o autoritarismo maquinado por seu fundador, Lee Kuan Yew (1923-2015).

    Foi em 1987 que manifestantes chacoalharam a Coreia do Sul, para desafiar a ditadura militar e exigir reformas políticas. Aplainava-se o caminho para a democratização do país.

    Nesse momento, Taiwan também engatinhava rumo à democracia. Com a morte, em 1988, de Chiang Ching-Kuo, filho e sucessor de Chiang Kai-shek, a ditadura taiwanesa entrava em estado terminal.

    O sucessor de Chiang Ching-kuo, Lee Teng-hui, comandou a transição à democracia, organizou e venceu em 1996 as primeiras eleições livres para presidente da ilha.

    Quatro anos depois, a oposição alcançou o poder, com o Partido Progressista Democrático desbancando o Partido Nacionalista (Kuomintang, em chinês).

    Regimes democráticos floresceram na Coreia do Sul e em Taiwan, com proliferação de partidos, fortalecimento de sociedade civil e alternância no poder, embora tenham atravessado momentos de crise, com escândalos de corrupção e violações de direitos humanos.

    Como nota trágica na atual crise sul-coreana, as mortes de três pessoas, em meio às mobilizações de rua após a saída de Park.

    Ainda há vários capítulos para Coreia do Sul e Taiwan escreverem no avanço e consolidação de suas democracias. Mas ambos já mostraram ser "tigres asiáticos" nos quais regimes democráticos encontram espaço para conviver com valores tradicionais.

    jaime spitzcovsky

    Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e em Pequim. Na coluna, fala sobre relações internacionais, com atenção especial ao Oriente Médio. Escreve às segundas, a cada duas semanas.

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