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    Jaime Spitzcovsky

    De Baker a Tillerson, nos salões do Kremlin

    10/04/2017 02h00

    A 9 de fevereiro de 1990, o secretário de Estado dos EUA, James Baker adentrava o Kremlin, para se reunir com Mikhail Gorbatchev, presidente da URSS. A queda do Muro de Berlim, ocorrida três meses antes, ditava a agenda, centrada na reunificação alemã e na arquitetura da segurança europeia pós-Guerra Fria.

    Gorbatchev, para engolir a pílula de uma Alemanha reunificada e ancorada na aliança com Washington, buscava limites à expansão, na Europa oriental, da Otan, aliança militar liderada pelos EUA. Baker teria sido ambíguo em respostas ao dirigente soviético.

    Jim Watson - 17.jan.2017/AFP
    Former ExxonMobil executive Rex Tillerson, US President-elect Donald Trump's pick for US Secretary off State, attends the Chairman's Global Dinner a black-tie, invitation-only dinner aimed at introducing foreign diplomats to the team tasked with implementing the "America First" policies of the next administration, in Washington, DC on January 17, 2017. / AFP PHOTO / JIM WATSON ORG XMIT: JIM021
    O secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, em evento com diplomatas

    Anos depois, países vizinhos à Rússia, como Polônia e Lituânia, aderiam à confraria militar norte-americana. Moscou reclama de promessas rompidas. Washington argumenta jamais ter firmado acordo sobre o tema.

    "Durante a atividade diplomática envolvendo a reunificação alemã em 1990, os Estados Unidos repetidamente ofereceram à União Soviética garantias informais contra futura expansão da Otan na Europa oriental", escreveu o pesquisador norte-americano Joshua Shifrinson, da Escola de Governo George Bush, em texto de 2016.

    Nesta semana, o secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, se reúne no Kremlin com o presidente russo, Vladimir Putin. No encontro Baker e Gorbatchev, sobrevivia algum otimismo sobre laços bilaterais, hoje castigados pela desconfiança mútua.

    Putin interveio na Síria, entre outros motivos, para demonstrar força bélica e ofuscar o revés geopolítico com a Ucrânia. Em 2014, um novo governo ucraniano retirou o país da área de influência de Moscou e aproximou-o da União Europeia, dos EUA e da Otan.

    Para o governo russo, a opção da Ucrânia representou fragorosa derrota geopolítica, com a perda do mais relevante vizinho, e aplicou duro golpe na retórica de Putin, apoiada na ideia de ter eliminado a instabilidade responsável por corroer o poder do Kremlin, nos planos doméstico e externo, durante a era Mikhail Gorbatchev (1985-1991) e Boris Yeltsin (1991-1999).

    Fortalecido ao salvar o ditador Bashar al-Assad, Putin planejava costurar um acordo de paz na Síria, com negociações em curso no Cazaquistão. Usaria também, em caso de sucesso, tal cacife político na busca de solução diplomática para a guerra da Ucrânia, de olho numa fórmula a ser vendida como vitória à opinião pública russa e no fim das sanções econômicas decretadas por EUA e União Europeia.

    No conflito ucraniano, Putin anexou a Crimeia e apoia separatistas, enquanto os EUA auxiliam o Exército de Kiev e impõem sanções econômicas a Moscou, em modelo transcrito da finada Guerra Fria.

    Putin e Tillerson vão falar sobretudo da tragédia síria. Poderiam, no entanto, abordar ainda a raiz da deterioração das relações entre o Kremlin e a Casa Branca, ao tentar eliminar desconfianças cultivadas desde o fim da Guerra Fria. Uma relação bilateral mais equilibrada contribuiria decisivamente na busca pela paz na Síria e na Ucrânia.

    jaime spitzcovsky

    Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e em Pequim. Na coluna, fala sobre relações internacionais, com atenção especial ao Oriente Médio. Escreve às segundas, a cada duas semanas.

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