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    Jaime Spitzcovsky

    Tal como Deng Xiaoping, saudita Bin Salman tenta modernizar seu país

    18/12/2017 02h00

    Kevin Lamarque/Reuters
    Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita, é recebido na Casa Branca por Trump

    Deng Xiaoping transformou-se na figura histórica mais importante da segunda metade do século 20 ao deslanchar, em 1978, reformas responsáveis por levar a China novamente à galeria das potências globais. O patriarca-mandarim fez do Partido Comunista timoneiro da revolução apoiada na injeção, em doses cavalares, de economia de mercado, numa alquimia cujas reverberações redesenharam o cenário chinês e a geopolítica internacional, ajudando a definir contornos do mundo contemporâneo.

    Deng, ao modernizar a economia, não alterou em nada o sistema político, com o intuito de manter o monopólio do poder nas mãos do Partido Comunista.

    Influente até sua morte, em 1997, o dirigente admitiu inevitáveis mudanças na vida social sem, no entanto, promover a democratização do país mais populoso do planeta.

    A fórmula, em linhas gerais, parece nortear uma liderança ascendente em outro rincão do continente asiático. Na Arábia Saudita, o príncipe herdeiro Mohammed Bin Salman, conhecido como MBS, acena com o plano "Visão 2030", arquitetado para diminuir a dependência em relação ao petróleo, fonte de riqueza nababesca nas últimas décadas, mas com futuro em xeque devido à busca por alternativas energéticas, menos poluentes e renováveis.

    Deng Xiaoping desenhou o "socialismo com características chinesas", pois calculou que, para manter os comunistas no poder, era imperativo sacar a China da pobreza e do isolamento. MBS parte, do ponto de vista econômico, de uma realidade distinta. Porém, assim como o dirigente chinês, entende a necessidade de reformas profundas para preservar o sistema de poder.

    Deng chegou ao governo em 1977, com 73 anos, após décadas de militância partidária. Venceu a luta pela sucessão de Mao Tsé-tung ao derrotar, com apoio de setores das Forças Armadas, os defensores da ortodoxia comunista. Concentrou poderes e, embora não estimulasse culto à personalidade de lideranças, assumiu as rédeas do partido de forma inequívoca.

    MBS, com 32 anos, consolidou a posição de príncipe herdeiro em junho. Afasta rivais ao mobilizar, segundo várias interpretações, a campanha anticorrupção, acelerada nas últimas semanas. Com a prisão de desafetos, pavimentaria o caminho da ampliação de poderes.

    A China de Deng, na busca pela modernização econômica, abandonou o fundamentalismo ideológico, que atingiu o paroxismo na Revolução Cultural (1966-1976), e abriu portas para as influências culturais estrangeiras.

    Censura e mecanismos de controle social persistem, mas em escala menor do que no maoismo.

    Na Arábia Saudita, começou a flexibilização de um regime fortemente modelado pela ortodoxia religiosa. A monarquia já anunciou, por exemplo, a permissão para que as mulheres dirijam carros, motos e caminhões.

    As diferenças culturais, históricas e geográficas entre Deng e MBS permanecem abissais.

    No entanto, não há como evitar essa comparação entre processos modernizadores. Ao príncipe saudita, falta ainda trilhar um longo caminho para conseguir, como o dirigente chinês logrou, mudar os rumos de seu país.

    jaime spitzcovsky

    Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e em Pequim. Na coluna, fala sobre relações internacionais, com atenção especial ao Oriente Médio. Escreve às segundas, a cada duas semanas.

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