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    Janio de Freitas

    Os fatos e depois

    13/03/2014 03h00

    As opiniões sobre os fatos, quanto mais variadas, melhor servem ao debate político e suas possíveis conclusões. Mas um mínimo de respeito às formas e modos dos próprios fatos é indispensável às opiniões. Do contrário, a opinião não se sustenta, porque só conta com a fluidez da paixão política.

    Imaginar que garis pudessem estar forçados a "trabalhar sob a mira de metralhadora" no Brasil atual e em pleno Rio, é, para não dizer mais, levar à sandice a vontade nada incomum de atacar Sérgio Cabral e, por extensão, Eduardo Paes. Os garis que seguiram o acordo feito por seu sindicato foram ameaçados fisicamente pela minoria que o recusou. E não se pode dizer que essa minoria usasse um direito ao persistir na greve, por "não se sentir representada pelo sindicato" no entanto eleito pela categoria. O direito à greve deixou de existir quando a Justiça a declarou ilegal.

    Proteger de agressão a grande maioria dos garis, que mostrou não seguir o PSOL e o PSTU, não foi "fascismo", foi bom senso. Por falta dele, já ontem pela manhã, na obra do complexo petroquímico de Itaboraí, a regra da violência de grevistas e de polícia voltou a dominar. Mas, se alguém quiser sonhar que "a população [não um grupo, uma quantidade xis, mas "a população" do Rio] saiu às ruas para aplaudir" os garis da pequena greve continuada, é outra regra que se impõe. A mesma que tem construído, ao longo da história, as derrotas de certa linhagem de pensamento.

    Dos garis às arquibancadas a distância, se existe, é mínima. Ou era, antes da cara de shopping do padrão Fifa. Vamos lá, pois.

    É óbvio que soluções suaves seriam as ideais também para a violência verbal do racismo e a violência física dos brutamontes, nas arquibancadas. Mas o ideal e o possível não parecem conciliáveis, no caso.

    Prender os infratores, sim, julgá-los e condená-los. Nos estádios Fifa, é mais fácil vigiar os espectadores, desde que seja grande o número de fiscais bem treinados. Nos outros, na grande maioria que são os nossos brasileiros e sofridos estádios e "estádios", é muito difícil identificar na multidão os transgressores vocais. E, se forem assim no plural, depois penetrá-la e recolhê-los.

    Uma das forças que moldam a conduta em público, não só nos estádios, é a pressão. Toda moda, por exemplo, não é mais do que uma pressão que subjuga o gosto pessoal. No caso do racismo, que suscitou nota aqui e várias contestações, é necessário buscar medidas de aplicação menos problemática e mais imediata. A suspensão de jogos oficiais em localidades e em estádios durante bom período, um ano que seja, a meu ver tende a criar uma pressão poderosa: trata-se de transformar a própria arquibancada em força de pressão. E até como fator preventivo. A tendência seria de que já os primeiros sinais de racismo fossem silenciados pelos temerosos da consequência punitiva contra a sua localidade ou o estádio do seu time.

    Lembrou um corintiano que vestir a camisa do Palmeiras (lá ele, não eu) lhe permitiria, com provocações solitárias, provocar a interdição do estádio de um adversário. Se não fosse prontamente calado, como seria provável, pelos circunstantes que logo perceberiam a possível consequência dos xingamentos racistas. Assim mesmo, por iniciativa dos circunstantes, já houve a prisão televisada de alguém que soltou um sinalizador.

    Por certo há muitas ideias melhores do que a exposta aqui. A minha serviu só para obter respostas, ou seja, demonstração de interesse pelo tema preconceito racial.

    janio de freitas

    Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa as questões políticas e econômicas. Escreve aos domingos e quintas-feiras.

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