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    Janio de Freitas

    Saída para os túneis

    10/08/2014 02h00

    A moderação nas exibições, impressas e de TV, do estado em que está Gaza é bastante perceptível: pouco numerosas em um caso, ligeiras no outro, ângulos quase sempre sem dramaticidade gritante. Não só aqui.

    Realismo contido, para indignação limitada. Ainda assim, jamais se terá imaginado, por exemplo, a exibição no "Globo" das fotos que têm sobressaído até na primeira página. Nem ler os artigos críticos à ferocidade israelense e as correspondências jornalísticas de crua veracidade.

    O comedimento não esconde, não pode esconder. Uns em seguida a outros, são quarteirões inteiros de apartamentos que aparecem destruídos, restos de ruas encobertos pelas ruínas de moradias que só em muitos anos serão substituídas, para os de melhor sorte. A vida civil e pacífica reduzida a morte, sofrimento e escombros.

    Eram túneis que Israel estava destruindo? Foram túneis que voltou a destruir já aos primeiros minutos do fim da trégua, com registro imediato de mais mortes de crianças e civis nos bombardeios a mais prédios e mais quarteirões? Túneis em apartamentos, tão originais os palestinos.

    Os alemães inventaram o ataque a uma rádio sua, próxima da fronteira, para iniciar a invasão da Áustria. Os americanos inventaram o ataque a um pequeno navio de sua Marinha, e logo iniciaram o já planejado bombardeio aos reservatórios de petróleo do Vietnã do Norte. Os israelenses não precisaram inventar a existência de túneis palestinos.

    Os improvisados na fronteira de Gaza e Egito existem há anos, para burlar com alimentos, remédios e utilidades o bloqueio de Gaza pelos israelenses, que periodicamente levam comandos por mar para obstruir essas perfurações da miséria. Na atual destruição de Gaza, Binyamin Netanyahu invocou outros túneis.

    Estes, como os descrevem os israelenses, são túneis construídos com requintes de infraestrutura, para a passagem segura de terroristas palestinos. Mas não negam a definição, com uma boca em cada extremo –Gaza e Israel. E aí é que o motivo invocado pelos agressores israelenses se distancia da esperada luz do fim dos túneis. E vai ao encontro daqueles tenebrosos americanos e alemães.

    Se os túneis têm bocas em Israel ou nas proximidades, obstrui-las era todo o necessário para tornar impossível o seu uso pelos terroristas. Ou aguardar o aparecimento deles, como nos desenhos animados. Não há no mundo zona com mais vigilância: os israelenses vigiam cada centímetro das terras fronteiriças e da sua versão do Muro de Berlim, inexistindo a possibilidade de bocas de túneis não perceptíveis por tantos olhos e câmeras.

    Túneis para Israel? Nenhum bombardeio israelense seria necessário, nenhum assassinato bélico de crianças, massacre de civis, destruição de hospitais e escolas, mesquitas e igrejas, bairros inteiros. Mas o governo de Israel quis fazê-los. O governo de Israel continua a fazê-los. Indiferente ao que parece ser o começo do cansaço com o que Israel prefere fazer.

    INDISPENSÁVEL

    De computador usado no Palácio do Palácio partiram as modificações nas biografias dos jornalistas Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg na Wikipédia, conforme noticiou Paulo Celso Pereira no "Globo". O mais importante nesse fato não é o teor das alterações, feitas em maio do ano passado, para desqualificar os dois por seu oposicionismo, aliás, nunca insultuoso. Ambos já deram as suas respostas. O mais grave é o desvio de conduta e de objetivo partido de dentro da Presidência da República.

    Escrevo com antecedência que deixa tempo para providências do governo não consideráveis aqui. Vale, porém, para o caso presente e para o futuro a observação de que o governo tem o dever, por exigência do Estado de Direito, de buscar a identificação da responsabilidade pelo desvio e dar-lhe as consequências cabíveis.

    A impossibilidade técnica já mencionada deve ser vista, no máximo, como dificuldade. Mesmo porque a identificação agora impossível sugeriria a liberdade para atos até perigosos, originados de instalações da própria Presidência, e resguardados no anonimato e na impunidade.

    janio de freitas

    Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa as questões políticas e econômicas. Escreve aos domingos e quintas-feiras.

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