• Colunistas

    Sunday, 05-May-2024 21:07:15 -03
    Janio de Freitas

    O poder concentrado

    02/04/2015 02h00

    As leis não gozam de prestígio entre nós, mas há sempre discussão sobre a reforma ou criação de várias delas, como se daí viesse a solução de um grave problema por uma lei a ser de fato respeitada. Já pelo nível muito baixo da discussão, mas também pelo atropelo das propostas que se jogam umas sobre as outras, tudo escorrega para o esquecimento ou, se posto em lei, para a inutilidade. Às vezes, porém, certas circunstâncias fazem soar alarmes, no entanto pouco ouvidos. Entramos em um desses momentos de exacerbação perigosa.

    Entre o sumiço do governo e "ajustes" que não ajustam, Eduardo Cunha e Renan Calheiros praticam as presidências da Câmara e do Senado tomando em suas mãos poderes que não lhes pertencem. Cunha anuncia decisões da Câmara com uma antecipação que tanto expressa a subalternidade imposta a um número decisivo de deputados, como representa a individualização do poder que a democracia exige ser colegiado. "Em maio vamos fazer a reforma política", "o novo prédio da Câmara terá (...), está lançado o edital", coisas assim disfarçam-se com alegadas aprovações pela Mesa da Câmara e pela reunião dos líderes, sem que isso seja mais do que um truque tardio.

    Para burlar a lei que extingue a extorsão sofrida por estados e municípios devedores do governo federal, Joaquim Levy foi a Renan Calheiros. Foi "pedir que não ponha em votação" a nova cobrança da dívida. O ministro da Fazenda não procurou senadores para que, no colégio de líderes, deixassem fora da pauta a nova cobrança, criada por Dilma menos de um semestre antes de esquecê-la em fevereiro. Levy foi endossar, como se verdadeiro e legítimo, o poder que Calheiros então exerceu mesmo. Mais uma vez com justificada majestade.

    E o Rio havia ganho na Justiça, com adesão pública de São Paulo-capital, o direito de avaliação correta da dívida e de não pagar correção mais juros que vão a 9%. O BNDES aumentou agora os juros de seus empréstimos de 5,5% para 6% ao ano: as populações das cidades merecem tratamento pior do governo federal do que empresários financiados?

    Eduardo Cunha instaurou e Renan Calheiros adotou o personalismo autoritário. E é como se isso nada significasse e nada prenunciasse. Para o PSDB, o PPS e outras fajutas oposições, desde que deprecie Dilma e o PT, não importa o que ocorra com a democracia, o regime, a Constituição, o país –está tudo ótimo. Os outros, uns olham para os próprios pés, os demais contam seus novos cifrões.

    OS COFRES

    O ex-senador Demóstenes Torres foi o único a pagar no caso em torno de Carlos Augusto Ramos, conhecido como Carlinhos Cachoeira. Falou agora pela primeira vez, sobre vínculos político-financeiros entre Carlinhos e o senador Ronaldo Caiado. Mas poucos talvez saibam como Demóstenes sobre os porões éticos de Brasília. Com muitas provas, porque seu amigo Carlinhos não é amador, como ficou provado desde o "caso Waldomiro" e, depois, com as gravações "não identificadas" na Praça dos Três Poderes.

    Se os dois abrirem mais a memória, a Lava Jato ficará reduzida a literatura infantil.

    LEIA LIVRO

    Desde a primeira metade do século 19, a imprensa é parte inseparável da política brasileira, ora em atividades equivalentes às de poderosos partidos, ora com ares autênticos ou não de voz da sociedade, por fim mesclando suas características originais com o jornalismo. Apesar desse desempenho histórico, a imprensa mereceu muito pouco, quase nada, da historiografia e da sociologia brasileiras.

    Um jornalista espanhol residente no Brasil há quase 60 anos oferece, com a Companhia das Letras, o primeiro volume de três previstos para uma resgatadora "História dos Jornais no Brasil". Antes de pesquisador minucioso e escritor admirável, Matias Molina credenciou-se com importante função na imprensa brasileira: a grande fase da "Gazeta Mercantil" de nossa época chegou a tanto por sua direção, a partir da qual também formou muitos dos melhores jornalistas brasileiros atuais.

    O primeiro volume, que cobre o Brasil de 1500 a 1840 sem que faltem referências contemporâneas, já é um grande livro. E promete o mesmo nos dois próximos.

    janio de freitas

    Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa as questões políticas e econômicas. Escreve aos domingos e quintas-feiras.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024