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    Janio de Freitas

    Suspeitas e suspeitas

    13/09/2015 02h00

    Os muitos convictos de que todo o vendaval de aparente moralização visa Lula, desde o processo do mensalão, devem estar reconfortados com a aprovação que lhes dá a Polícia Federal. O que não assegura, necessariamente, a exatidão da tese. Mas a PF levou tão longe o propósito de enquadrar Lula que acabou na situação original de ficar ela mesma sujeita às suas suspeitas.

    No pedido ao Supremo para tomar o depoimento do ex-presidente, a PF sustenta que ele "pode ter sido beneficiado [...] obtendo vantagens para si, para seu partido, o PT, ou mesmo para seu governo, com a manutenção de uma base de apoio partidário sustentada à custa de negócios ilícitos" na Petrobras.

    Ministro da Justiça no primeiro mandato de Lula, Marcio Thomaz Bastos deu à Polícia Federal uma nova estatura. Em abertura para investigação de crimes do poder econômico, em liberdade investigatória, em qualificação técnica e em quadros. E em conceito da corporação e dos seus integrantes. Antigos e recentes funcionários foram beneficiados, em muitas dimensões, pela nova PF. Tal benefício foi possível, aplicando-se a concepção exposta pela PF ao Supremo e ao país, por vários fatores.

    Primeiro, haver um governo que nomeou um ministro disposto a fazer da PF e dos seus policiais o que, por diferentes motivos, nenhum antecessor fizera, desde o governo Jango. Segundo, ser um governo disposto a dar à PF e aos seus policiais o apoio e as condições materiais para a mudança de importância e de estatura que tiveram. Terceiro, sem o qual os dois anteriores seriam inúteis, dispor aquele governo de "uma base de apoio partidário" que aprovou os recursos e as medidas, diretas ou não, para dar à Polícia Federal e a seus quadros novo papel e nova estatura.

    Se a "base de apoio" para isso era "sustentada à custa de negócios ilícitos na referida estatal", com "vantagens mesmo para o governo", a PF, como parte do governo, fica incluída na suspeita que lança.

    Outro trecho recusa a possibilidade de inexistirem, no governo, pessoas insuspeitas de conexão com negócios ilícitos na Petrobras. Sustenta a PF que "os indícios de participação devem ser buscados não apenas no rastreamento e identificação de vantagens pessoais por ventura obtidas pelo então presidente, mas também nos atos de governo que possibilitaram que o esquema se instituísse e fosse mantido".

    Está claro aonde a PF quer chegar: os atos de governo mencionados são as nomeações para a Petrobras. São frequentes os inquéritos de fatos graves ocorridos na PF –desaparecimento de grande quantidade de cocaína recolhida à polícia, engavetamento de inquérito, quadrilha de delegados, e outros. Na tese da PF, as nomeações dos autores de tais ocorrências, e outras feitas pelos demais governantes, implicaram o conhecimento da conduta que cada nomeado teria. Uma ideia estapafúrdia.

    Se a Polícia Federal não apresentar indícios e argumentos menos suspeitos de desejo e autoritarismo, o alto número de convictos de haver caça a Lula vai aumentar muito. Pior para as pretensões, em 2018, de Aécio, Alckmin, Serra e Temer.

    QUATRO PERGUNTAS

    Se a retirada do "selo de bom pagador" do Brasil por uma das três empresas privadas que ganham fortunas dando ou negando esses selos justifica a tragédia escandalosa feita aqui, por que a concessão do selo em 2008 não mereceu escândalo positivo?

    Pode-se acreditar na seriedade da empresa que rebaixa, com o Brasil e a Petrobras, a confiança financeira merecida pelos bancos Itaú e Bradesco, ambos entre os bancos privados de maior lucratividade no mundo?

    A OAB deu um leve sinal de que agiria contra a interrupção, no Supremo, do julgamento sobre dinheiro de empresas nas campanhas. Pronto. O ministro Gilmar Mendes liberou o seu voto, retido há um ano e cinco meses. Pode ter tido outro motivo que não a delicadeza?

    Foram mulheres que iniciaram o movimento pela proibição de saias curtas ou justas e decotes panorâmicos na Câmara. Mas por que acabar com o que ainda haja de proveitoso por lá?

    janio de freitas

    Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa as questões políticas e econômicas. Escreve aos domingos e quintas-feiras.

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