Uma busca preliminar no que sucedeu desde a "Operação Juízo Final", criada há um ano para a prisão de dirigentes de empreiteiras, faz mais do que surpreender. E, dadas as indagações que suscita, clama por uma reflexão sobre as características não difundidas da Lava Jato e seus efeitos presentes e futuros.
Menos de uma semana depois daquela decisão que elevou o juiz Sergio Moro às culminâncias do prestígio, dava-se outro fato determinante na Lava Jato. Ex-gerente da Petrobras, Pedro Barusco assinava, em 19 de novembro, o acordo de delação premiada. Sua advogada era Beatriz Catta Preta, que mais tarde abandonaria os seus clientes, invocando ameaças recebidas. Ela e um batalhão de 14 procuradores e delegados da Polícia Federal assinaram o acordo.
Catta Preta já conduzira acordo semelhante para Julio Camargo. Sem vínculo com a Petrobras, esse lobista chegou a uma posição de destaque no noticiário da Lava Jato a partir da confissão de que ganhou muito dinheiro fazendo, em transações com dirigentes da estatal, a intermediação para as contratações da coreana Samsung e da japonesa Mitsui.
Mas Barusco foi o mais prolífico. Aqui mesmo, e quando seu nome mal fora citado, saiu a informação de que era o mais temido não só pelos já implicados, por estar com a vida pendente de um câncer. Foi dele a promessa de devolver quase U$ 100 milhões. Dinheiro de suborno recebido das maiores empreiteiras brasileiras. Mas não só. Além do que recebeu como gerente da Petrobras, depois Barusco foi subornado como diretor de uma empresa, a Sete Brasil, constituída para a produção de sondas destinadas ao pré-sal. Os estaleiros Jurong e Keppel Fels, de Cingapura, lhe pagaram alto pela obtenção e pelo valor das respectivas contratações.
Para não ficar só nas empreiteiras do Brasil e em grupos asiáticos, uma subornadora europeia enfeita a lista: um dos mais recentes delatores premiados, João Antonio Bernardi, descreveu subornos milionários de dirigentes da Petrobras para a contratação da italiana Saipem.
Decorrido um ano da Juízo Final, Ricardo Pessoa, dono da UTC, foi o mais noticiado dos dirigentes de empreiteiras brasileiras presos pela PF, com suas idas e vindas em torno da delação premiada. Dentre esses executivos, já há condenados a penas altas, como Sergio Mendes, da Mendes Júnior, com recente sentença de 19 anos. Em síntese, quem dentre eles não se dobrou à delação premiada, ou já está condenado, ou aguarda sentença em processo criminal por corrupção ativa, via suborno —e outras possíveis acusações em cada caso.
Nenhum dos dirigentes das empresas estrangeiras que pagaram suborno foi preso. Nem teve sua casa visitada pela PF para busca e apreensão de documentos. Nenhum está ou foi submetido a processo por suborno. Só os intermediários passaram por busca e apreensão. Como nos crimes de morte em que o matador e o intermediário são presos, mas o mandante não é incomodado. O Brasil conhece bem este tipo de critério.
As empreiteiras brasileiras acusadas de prática de suborno estão proibidas de firmar contrato com a Petrobras. O que tem implicações múltiplas também para a própria Petrobras.
As empresas estrangeiras Jurong, Keppel Fels, Saipem, Samsung e Mitsui não receberam visitas policiais para busca e apreensão nas filiais que todas têm no Brasil. Nem sofreram medida alguma por serem, como as brasileiras, acionadoras de corrupção e pagadoras de subornos. E continuam liberadas para fazer contratos com a Petrobras.
A diferenciação de tratamentos suscita inúmeras indagações, das quais a primeira pode ser esta: o objetivo da Lava Jato, e tudo o que a partir daí se irradia para o país todo, não era a corrupção, e só a corrupção?
Ah, sim, uma das cinco estrangeiras praticantes de corrupção, a Mitsui, ficou liberada para se tornar até sócia da Petrobras na Gaspetro. É o que acaba de fazer.
Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa as questões políticas e econômicas. Escreve aos domingos e quintas-feiras.