A suspensão do mandato de Eduardo Cunha, motivo de polêmica ainda por muito tempo, sufocou a denúncia judicial de Lula e de Aécio, entre outros, pelo procurador-geral Rodrigo Janot. A repentina pressa do Supremo Tribunal Federal em afastar o presidente da Câmara poupou Janot de questionamentos, do PT e do PSDB, por aquela solicitação. Mas não evita sua inclusão como personagem destes tempos de truques: no plenário e no Conselho de Ética da Câmara, no Senado e suas agendas, na Lava Jato, acusados no governo, e há quem os veja mesmo no Supremo.
Durante um ano, seis meses e meio, ou os 559 dias constatados por Bernardo Mello Franco desde a primeira citação a Aécio na Lava Jato até ser denunciado, os demais delatados por Alberto Youssef foram objeto de atos do juiz Moro ou de Janot. Aécio, não. Poderia ser por investigações em andamento. Mas a denúncia nada trouxe assim. Por que é feita agora? Por causa de Lula.
A dedução é inevitável. A presença de Aécio neutraliza, ao menos atenua, a reação ao novo e grave fato por parte dos convictos de perseguição organizada a Lula, para impedir sua eventual candidatura em 2018. Aécio ficou guardado por mais de ano e meio, até ser, mais do que uma pessoa e um denunciado, uma utilidade manejável e precisa. Olha, o Aécio também está denunciado.
Alguns dirão: Aécio, aquela azeitona. Ele se deixou assimilar no papel com naturalidade, disponível para a resposta única de que a denúncia não o ameaça. Deve estar certo. O que nem de longe significa que na década passada faltassem improbidades tremendas na estatal Furnas. Em cujo elenco, aliás, o astro já era Eduardo Cunha. E não por coincidência, nos últimos tempos, tal como a denúncia diz daqueles idos, com Aécio a ele associado no mesmo roteiro.
São truques demais, nestes tempos. Sem falar na imprensa, Deus me livre. Lula virou denunciado nas vésperas de uma votação decisiva para o impeachment. Assim como os grampos telefônicos, ilegais, foram divulgados por Moro quando Lula, se ministro, com sua experiência e talento incomum de negociador talvez destorcesse a crise política e desse um arranjo administrativo. Há dois anos vemos as prisões persistentes até a delação, que recursos não faltam a juízes para defender prisões. São muitos truques. E agora Aécio com Lula. E já Dilma: é preciso inviabilizar o retorno.
São muitos truques. E mais virão onde o Supremo os supõe extintos. Pois ninguém sabe até quanto se esvazia o poder de Eduardo Cunha sobre grande parte da Câmara. Tal poder está conectado a interesses presentes e futuros, financeiros-eleitorais inclusive, e a um arsenal de informações pessoais inimaginável, recente e passado. Não à toa, contou Cunha que Michel Temer foi dos primeiros a telefonar-lhe depois da suspensão de seu mandato, em evidência da definição do vice entre os vários segmentos opostos.
Sob o predomínio dos truques, Cunha e seus aliados não acusariam o Supremo de outra coisa. Na verdade, o Supremo produziu um sofisma jurídico. A suspensão do mandato de Eduardo Cunha sem duração prevista é, na prática, cassação. Se o Conselho de Ética o cassar, e talvez seja difícil fazê-lo, ou se não o cassar. Neste segundo caso, o Supremo não sustará a suspensão: a maioria das acusações estará imutável. Cunha irá suspenso até o fim do seu mandato. E isso, quanto à condição parlamentar, é o mesmo que cassação.
Estamos sendo embalados por truques demais. Políticos, econômicos, judiciais, policiais, por toda parte. O governo que promete um "ministério de notáveis", reformas e fim das crises, é mais um. O de maior alcance e, tudo indica, o mais desastroso.
Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa as questões políticas e econômicas. Escreve aos domingos e quintas-feiras.