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    Janio de Freitas

    Nenhum golpista já admitiu ser golpista

    01/09/2016 02h00 - Atualizado às 16h22 Erramos: esse conteúdo foi alterado

    Renato Costa/Folhapress
    Plenário do Senado lotado antes de votação que aprova o processo de impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, nesta quarta
    Plenário do Senado lotado antes de votação do processo de impeachment de Dilma Rousseff

    Em inúmeras vezes, nas sessões do impeachment que presidiu, o ministro Ricardo Lewandowski disse ao plenário, com pequenas variações de forma: "Neste julgamento, os senadores e senadoras são juízes, estão julgando". Entre os 81 juízes, mais de 70 declaravam o seu voto há semanas, e o confirmaram na prática. Um princípio clássico do direito, porém, dá como vicioso e sujeito à invalidação o julgamento de juiz que assuma posição antecipada sobre a acusação a ser julgada. O que houve no hospício –assim o Senado foi identificado por seu presidente, Renan Calheiros– não foi um julgamento.

    Os que negam o golpe o fazem como todos os seus antecessores em todos os tempos: nenhum golpista admitiu ser participante ou apoiador de um golpe. Desde o seu primeiro momento e ainda pelos seus remanescentes, o golpe de 1964, por exemplo, foi chamado por seus adeptos de "Revolução Democrática de 64". Alguns, com certo pudor, às vezes disseram ser uma revolução preventiva. É o que faz agora, esquerdista extremado naquele tempo, o senador José Aníbal, do PSDB, sobre a derrubada de Dilma: "É a democracia se protegendo". Dentre os possíveis exemplos pessoais, talvez nenhum iguale Carlos Lacerda, que dedicou a maior parte da vida ao golpismo, mas não deixou de reagir com fúria se chamado de golpista.

    As perícias e as evidências negaram fundamento nas duas acusações utilizadas para o processo do impeachment de Dilma. As negações foram ignoradas no Senado, em escancarada distorção do processo. Para disfarçar essa violência, foi propagada a ideia de que a maioria dos senadores apoiaria o impeachment levada pelo "conjunto da obra" de Dilma: a crise econômica, as dificuldades da indústria, o aumento do desemprego, o deficit fiscal, a suspensão de obras públicas, as dificuldades financeiras dos Estados e outros itens citados no Congresso e na imprensa.

    Se os deputados e senadores se preocupassem mesmo com esses temas do "conjunto da obra", teríamos o Congresso que desejamos. E os jornais, a TV e os seus jornalistas estariam sempre mentindo com suas críticas, como normal geral e diária, sobre a realidade da política e dos políticos.

    Nem as tais pedaladas e os créditos suplementares, desmoralizados por perícias e evidências, nem o "conjunto da obra", cujos temas não figuram nos interesses da maioria absoluta dos parlamentares, deram base para acusações respeitáveis em um processo e um julgamento. Se, no entanto, envoltos por sofismas e manipulações, serviram para derrubar uma presidente, houve um processo, um julgamento e uma acusação ilegítimos –um golpe parlamentar. Os que o efetivaram ou apoiaram podem chamá-lo como quiserem, mas foi apenas isto e seu nome verdadeiro é só este: golpe.

    Esse desastre institucional contém, apesar de tudo, um ponto positivo. A conduta dos militares das três Forças, durante toda a crise até aqui, foi invejavelmente perfeita. Do ponto de vista formal e como participação no esforço democratizante que civis da política e do empresariado estão interrompendo.

    O pronunciamento de ex-presidente feito por Dilma corresponde à aspiração de grande parte do país. Mas a tarefa implícita no seu "até daqui a pouco" exigiria, em princípio, mais do que as condições atuais da nova oposição podem oferecer-lhe, no seu esfacelamento. À vista do que são Michel Temer e os seus principais coadjuvantes, não cabem dúvidas de que os oposicionistas podem esperar muita contribuição do governo. Mas o dispositivo de apoio à situação conquistada será, a partir da Lava Jato, de meios de comunicação e do capital proveniente de empresários, uma barreira sem cuidado com limites.

    Desde ontem, o Brasil é outro.

    janio de freitas

    Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa as questões políticas e econômicas. Escreve aos domingos e quintas-feiras.

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