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    Janio de Freitas

    Marcos Valério revela sistema que financiou desvios desde o governo FHC

    23/07/2017 02h00

    Lula Marques - 6.jul.2005/Folhapress
    BRASÍLIA, DF, BRASIL, 06-07-2005, 18h30: Escândalo do "Mensalão": o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza durante depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios, no Senado, em Brasília (DF). O publicitário disse que desconhece o suposto "mensalão" pelo qual o PT pagaria por apoio de deputados do PL e do PP. Valério confirmou sua amizade com Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, admitiu que se reuniu com o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu no Palácio do Planalto e atacou sua secretária Fernanda Karina Ramos Somaggio. Valério não explicou os saques milionários em dinheiro vivo de suas contas bancárias. (Foto: Lula Marques/Folhapress. Digital)
    O empresário Marcos Valério, em depoimento à CPI dos Correios, em Brasília

    O uso de delação premiada pela Polícia Federal, como o acordo com Marcos Valério já submetido ao Supremo, torna-se mais ácido para a contrariada Lava Jato com um tempero incluído nas denúncias prometidas.

    O período que Valério se dispôs a abranger não começa, como na Lava Jato, com o governo Lula. Ele oferece a revelação do sistema que financiou, por meio de suas empresas de publicidade, desvios financeiros desde o governo de Fernando Henrique. O contrário do que a Lava Jato admitiu aos seus delatores.

    Os temas de Valério não incluem as grandes compras e obras da Petrobras, mas nem por isso negócios da estatal ficam de fora. Grande parte da atividade ilícita das agências DNA e SMP&B, com envolvimento de partidos e políticos, valia-se de programas de publicidade e marketing de estatais, nos quais a Petrobras há muito tem proeminência.

    Dessas atividades é inesquecível, por exemplo, a pretendida mudança de nome da Petrobras, para Petrobrax. Só a contratação para troca da marca em todos os seus usos no país inteiro, daria mais um dos escândalos típicos da Lava Jato. Se, incumbida de desvendar as ilicitudes na Petrobras, a força-tarefa curitibana não restringisse a tarefa em vez da força. Mas o xis do problema não foi no governo Lula. Era um preparativo, retirando do nome o sentimentalismo nacionalista, para a venda da empresa.

    Mais de um delator da Lava Jato referiu-se ao período anterior a 2003. Pedro Barusco citou com precisão negócios ilícitos na Petrobras já em 1998. Não entraram, porém, na zona de denúncia e acusação da Lava Jato. Quando lá apareceu, inesperada, uma menção a algo "no governo Fernando Henrique", ficou também registrado o brusco e definitivo "isso não interessa!".

    Nessa linha, não é menos ilustrativa a recusa da Procuradoria da República em Minas e da Procuradoria-Geral, de Rodrigo Janot, ao acordo de delação proposto por Marcos Valério, e por fim aceito na PF. Também em Minas, o "mensalão" do PSDB, ocorrido quatro anos do "mensalão petista", ainda não tem seu processo concluído: desde o fato a ser julgado, são 19 anos. E 12 desde as condenações dos acusados pelo "mensalão petista".

    *

    JUSTIÇA?

    Irene Ravache lançou o protesto ("O Globo"): "Senhores da Justiça, não aceitamos isso!". Anna Carolina Jatobá, coautora do assassinato de Isabela Nardoni, jogada de um sexto andar aos 5 anos, passa da cadeia para o regime semiaberto. Cumpridos 9 anos da condenação a 26 anos e 8 meses, apenas deverá dormir na prisão.

    A juíza Sueli Zeraik Armani, da 1ª Vara de Execuções Criminais de Taubaté, pode ter concedido o inscrito em lei. Mesmo assim, o fez baseada em perícia que diz ser "nulo" o risco de outro crime de Anna Carolina Jatobá.

    Ninguém sabe o suficiente do estado psíquico e das circunstâncias futuras de um criminoso para reconhecer-lhe tamanha imunidade. Não foi feita perícia: houve exercício inválido de adivinhação. Não houve decisão judicial: foi a concessão de um privilégio sem Justiça.

    Crimes contra crianças são terrivelmente perturbadores, sempre. Certas decisões judiciais são tristemente perturbadoras, em vão.

    *

    A SOLUÇÃO

    O argumento de Gilmar Mendes, contra o atual direito do interlocutor de gravar a própria conversa, é sucinto: "Vamos ter que analisar a questão novamente [o direito de gravação, confirmado pelo STF]. Nova composição [do Supremo], novo quadro". O produto da reflexão suprema é, portanto, tornar temporárias todas as decisões de tribunais e do Congresso.

    A cada quatro anos a nova composição do Congresso reexaminaria toda a legislação. A cada novo ministro no Supremo, reexame das decisões para possível condenação dos absolvidos e derrota dos antes vencedores.

    Dizem que os gênios são incompreendidos: é natural que Gilmar reclame de críticas. Há, no entanto, maneiras menos trabalhosas, embora menos lúcidas, de favorecer o Temer gravado por Joesley Batista.

    janio de freitas

    Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa as questões políticas e econômicas. Escreve aos domingos e quintas-feiras.

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