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    João Manoel Pinho de Mello

    Não vale 'criar' emprego com dinheiro do contribuinte em setores decadentes

    28/10/2016 02h00

    Eny Miranda/Vale
    Projeto Ferro Carajás, da Vale, no Pará
    Projeto Ferro Carajás, da Vale, uma das parceiras na Companhia Siderúrgica do Pecém

    A Companhia Siderúrgica do Pecém começou a produzir aço no Ceará. Com um investimento de mais de US$ 5 bilhões, já tem capacidade para produzir 3 milhões de toneladas de placas de aço por ano. Durante a construção, foram 23 mil empregos diretos e indiretos, sendo 17 mil no pico. Na fase de operação, 16 mil empregos diretos e indiretos, segundo a empresa.

    A usina é uma parceria entre a Vale e as siderúrgicas sul-coreanas Dongkuk e Posco. Primeira ZPE (Zona de Processamento de Exportações) do país, sua receita de exportação deve ser no mínimo 80% do total. Parece ser tudo de bom: investimento estrangeiro, emprego e estimulo à exportação.

    Quanto custaram os empregos? Ao fazer parte de uma ZPE, a empresa recebe isenção de tributos, contribuições e taxas. Quando der lucro, haverá redução de 75% no Imposto de Renda por estar no Nordeste. Estimo que as isenções tenham somado R$ 1,68 bilhão entre 2012 e 2016, sem contar a dispensa do Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante.

    O BNDES financiou mais de R$ 2 bilhões em condições bem favoráveis. O contrato foi celebrado em abril de 2015, quando já conhecíamos o rombo fiscal. O subsídio implícito no financiamento foi de R$ 643 milhões.

    No total, estimo que tenha custado R$ 2,3 bilhões para a União. E o governo do Ceará diferiu o pagamento de ICMS por um bom tempo. Mas essa é uma escolha do Ceará.

    Vale a pena? Para a empresa e para o Ceará, deve ter valido. Para o Brasil, é menos claro. Suponhamos, generosamente, que o projeto tenha empregado, direta e indiretamente, 12 mil trabalhadores continuamente durante os quatro anos de construção. Sob essa suposição, cada ano de emprego custou quase R$ 49 mil à União. É caro. O empregado da construção civil em São Gonçalo do Amarante, onde está a usina, ganhou em média R$ 23 mil por ano durante a obra (incluindo benefícios). Por sinal, os melhores empregos foram para os sul-coreanos, que trouxeram seus engenheiros.

    Não pode haver um efeito multiplicador? Afinal, a construção da usina "criou" emprego e renda para os trabalhadores, que compraram coisas, gerando mais renda e impostos, e assim por diante. Pode sim, mas somente se a construção da usina de fato criou –sem aspas– empregos. Para ter havido criação de emprego, era preciso que os trabalhadores estivessem desocupados caso não fosse feita a obra.

    Durante parte da fase de construção, as taxas de desemprego no Brasil e no Ceará eram baixas. Com emprego alto, a maioria dos 12 mil empregos estaria em outras empreitadas, pagando impostos, contribuições e igualmente gerando renda.

    O investimento sairia sem os subsídios? Provavelmente não. Porque não é bom negócio sem subsídio. Siderurgia é um setor cadente. Há capacidade ociosa no mundo. Alhures, a indústria luta para reduzir capacidade. Estimular um setor com essas características não é o melhor uso do dinheiro do contribuinte. E os "bons" empregos industriais da fase de produção? Não vale a pena "criar" esses empregos. Saneamento também gera bons empregos. E muito mais retorno social.

    Pode fazer sentido estimular setores inovadores ou de alto impacto social. Ou, se é para estimular a indústria exportadora, que seja alguma que não sofra de capacidade ociosa crônica, no Brasil e no mundo.

    Devemos celebrar o investimento estrangeiro e o emprego. Precisamos muito deles. Mas não em siderurgia com tanto dinheiro do contribuinte.

    joão manoel pinho de mello

    Escreveu até março de 2017

    Economista trata de temas menos frequentes no debate econômico, como desenhos de leilões de concessão, custo da violência e causas da desigualdade.

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