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    João Manoel Pinho de Mello

    Façamos o mercado funcionar, pois preços não caem por decreto

    25/11/2016 02h00

    Agência de Notícias do Paraná
    09/01/2015 - Brasil - Dois dos quatro lotes ofertados hoje (9) no Leilão de Transmissão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) foram arrematados. Estavam previstos lotes para os estados da Bahia, de São Paulo, Goiás e Rondônia, mas apenas os dois primeiros tiveram vencedores. O leilão ocorreu na BM&FBovespa, em São Paulo. O Lote A, maior do certame, teve como vencedora a Cymi Holding, tendo sido a única entre as três empresas habilitadas a apresentar oferta. A Receita Anual Permitida (RAP) máxima era R$ 146.817,85 e o lote foi arrematado, sem disputa, por R$ 144.600.900,00. O deságio ficou em 1,51%. Nesse grupo, os empreendimentos na Bahia preveem 903 quilômetros de linhas de transmissão, totalizando 3.600 mega-volt-amperes (MVA) de potência.
    Desde 2014 o governo fez seis leilões de transmissão de energia que fracassaram

    Como funciona um leilão de transmissão de energia? É um leilão descendente. O governo define o lance máximo, que é a Receita Anual Permita (RAP) mais alta que o concessionário pode obter. As empresas competem propondo receitas cada vez menores. Vence quem der o menor lance.

    A diferença entre a RAP e o resultado final é o deságio. Deságios altos beneficiam o usuário porque o custo da transmissão é repassado para a tarifa. Se a competição é forte, o deságio é grande.

    Desde 2014 o governo fez seis leilões de transmissão de energia. Nos cinco primeiros, realizados no governo Dilma, leiloaram-se 67 lotes de transmissão. O BNDES financiou boa parte do investimento com juro subsidiado, o que aumenta a atratividade do empreendimento. Ainda assim, não houve interessados em 35 lotes. O deságio médio foi pífio: 4,5%.

    Por que fracassou? Não foi porque transmissão não tem valor. A matriz energética é hídrica, e as chuvas variam entre regiões. Um ano chove muito cá e pouco acolá; no outro pode ser o contrário. Hoje, sobra água nos reservatórios do Sul, mas falta no Nordeste. Enviar energia para o Nordeste tem valor suficiente para que todos ganhem, concessionários e usuários. Os projetos de transmissão deveriam vender como pão quente.

    A crise não ajudou, mas o fracasso dos leilões do segundo mandato Dilma é mais um capítulo da novela que começou em 2009. Foram muitos os erros cometidos por fé no dirigismo. O governo, como um politburo onisciente, decidiu que era seguro investir em energia no Brasil e que os preços já não refletiam a recém-adquirida maturidade institucional. A perene desconfiança da competição se manifestou na solução encontrada: diminuir o lance máximo.

    Mas o Brasil não era o paraíso dos investidores. Seguem firmes os problemas de sempre, como licenciamento ambiental incerto e risco jurídico na indenização por faixas de servidão. Na busca legítima pela modicidade tarifária, o governo tentou forçar preços mais baixos em um ambiente de negócios ainda precário, jogando ainda mais lenha na fogueira das incertezas.

    Esqueceu-se de combinar com o investidor, quem decide fazer o investimento e prestar o serviço. Resultado: falta de interessados em metade dos lotes. E quando não deu vazio, apareceu somente um interessado, o que arrefeceu a concorrência e diminuiu os deságios. O resultado é o mesmo: preços mais altos para os consumidores e empresas.

    Agora a boa notícia. Há três semanas o governo fez novo leilão. Dos 24 lotes ofertados, arremataram-se 21. O deságio médio foi 12%. E quase tudo com financiamento pelo BNDES em condições de mercado, sem juro subsidiado. Sucesso estrondoso na atual conjuntura.

    Qual a mágica? Entender que não há mágica. Os lotes foram reduzidos, o que permitiu a entrada de novos competidores. O lance máximo subiu, atraindo os investidores para o certame. O caro saiu barato. Em 11 lotes, o deságio foi maior do que o aumento do lance máximo. A nova equipe econômica apostou na competição e ganhou.

    Devemos confiar cegamente na competição? Não, como demonstra o cartel do petrolão. A competição deve ser fomentada com desenhos adequados e protegida com a atuação antitruste vigilante. Quando funciona, o mercado competitivo é o melhor mecanismo para descobrir quanto um serviço vale. Em vez de combatê-lo, façamos o mercado funcionar porque os preços não caem por decreto.

    joão manoel pinho de mello

    Escreveu até março de 2017

    Economista trata de temas menos frequentes no debate econômico, como desenhos de leilões de concessão, custo da violência e causas da desigualdade.

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