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    João Paulo Cuenca

    Turismo de tragédia

    16/04/2015 02h00

    Anda cada vez mais popular o turismo sombrio, o turismo macabro, o thanatoturismo. Dê um Google em "dark tourism" e encontre livros, teses de doutorado e agências especializadas em viagens a Chernobyl, Auschwitz ou áreas afetadas por tsunamis e terremotos, entre muitos outros palcos da morte.

    É curioso que o acadêmico britânico que cunhou o termo em estudo da Glasgow Caledonian University se chame John Lennon. A calçada do edifício Dakota, onde o ex-Beatle foi assassinado por Mark Chapman em 1980, era o maior ponto desse tipo de turismo em Nova York antes do 11 de Setembro. Hoje em dia, há um memorial onde as torres gêmeas tombaram. Além de um museu com uma lojinha que vende camisetas, bonés, canecas e chaveiros comemorativos.

    Não que o desejo de se aproximar de lugares aflitivos seja um fenômeno recente. Execuções e ritos de sacrifício sempre atraíram público, assim como os jogos no Coliseu romano. Não são poucas as catacumbas enfeitadas com ossadas na Europa e há pelo menos um milênio as pessoas já viajavam a Jerusalém para visitar o local da crucificação de Cristo. No século 19, campos de batalha como os de Waterloo ou Gettysburg atraíram visitantes pouco tempo depois do último tiro.

    Muitas vezes é descoberta uma nova atração. Se no Camboja os campos da morte do Khmer Vermelho são pontos turísticos consolidados, perto do templo de Angkor Wat, famílias trabalham num aterro sanitário infestado de lixo tóxico e, recentemente, de turistas japoneses com máscaras cirúrgicas. Eles chegam em tuk-tuks para ver e registrar as crianças escalando torres de detritos.

    Cidades-ruína como Pompeia ou Porto Príncipe e favelas miseráveis na Índia ou no Rio de Janeiro acabam sendo a parte mais convencional desses passeios. A prisão de Karosta, construída em 1900 na Letônia, oferece aos viajantes a oportunidade de experimentar a vida de um preso, com direito a interrogatório e noite numa cela assombrada. É um hotel-prisão onde os hóspedes são punidos com trabalhos forçados quando desobedecem alguma regra –eles assinam um contrato autorizando o tratamento especial no check-in.

    Recentemente, desastres como o naufrágio do Costa Concordia, quedas de aviões ou mesmo incêndios –como o ocorrido nos tanques de petróleo em Santos– atraíram milhares de seres humanos erguendo celulares e tirando selfies com cenários trágicos ao fundo. Há também grupos que se articulam em corredores pouco iluminados da internet e arriscam-se perseguindo guerras, atentados e campos de refugiados. Não tem faltado matéria-prima para esse tipo de voyeurismo.

    O Brasil mereceria um guia enciclopédico. Mas talvez pela banalidade das nossas tragédias ou pela falta de senso histórico, não há muito registro. Em São Paulo vem à mente o Edifício Joelma, o Andraus, o Cine Oberdan, Congonhas –em 1996 e em 2007. E também dois memoriais a lembrar os desmandos das forças do Estado: os corredores sinistros do Dops na Pinacoteca e as ruínas das solitárias do antigo Carandiru.

    É muito pouco: num país onde "direitos humanos" costuma ser o apelido que policiais militares dão aos seus cassetetes, as chacinas dos últimos 500 anos ainda não ganharam placa na parede.

    j. p. cuenca

    Escreveu até setembro de 2016

    É escritor. Foi selecionado em 2012 pela revista britânica "Granta" como um dos 20 romancistas brasileiros mais promissores com menos de 40 anos.

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