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    João Paulo Cuenca

    Stephanie Ribeiro: Feminismo branco não liga para negras (#AgoraÉQueSãoElas)

    13/11/2015 11h17

    A coluna abre espaço para Stephanie Ribeiro comentar a campanha #AgoraÉQueSãoElas:

    Recentemente, meu perfil do Facebook foi bloqueado devido ao grande número de denúncias que recebeu. Ação motivada pelo debate que faço sobre a solidão afetiva da mulher negra nas redes sociais. As escolhas afetivas de homens heterossexuais negros não são aleatórias num contexto de racismo e machismo.

    Queria enfatizar as inverdades ditas pelos que me acusam de odiar relacionamentos interraciais. Essas acusações derivam da falta de leitura sobre feminismo negro, estruturas de poder no campo das escolhas afetivas, branquitude e política de miscigenação.

    O Brasil engatinha no debate racial e de gênero. Então, pressupor que quando os homens negros, que ascendem socialmente ou tem algum privilégio estético e financeiro, optam por construir relacionamentos sólidos apenas com brancas estão agindo paralelamente a nossa construção social e por puro biologismo é falta de leitura. Por isso, recomendo a entrevista da pedagoga, mestre em ciências sociais, Claudete Alves para o programa Espelho. Para quem quiser entender mais essa crítica recomendo o livro resultado da sua tese: "Virou Regra".

    Poderíamos crer que o discurso daqueles que segregam minhas falas é apenas mais uma vertente do machismo. Entretanto, meu perfil foi denunciado por feministas brancas, que inclusive se manifestaram publicamente contra mim.

    Em 1851, Sojourner Truth, uma ex-escrava disse na Convenção do Direito das Mulheres em Ohio: "Aquele homem ali diz que é preciso ajudar as mulheres a subir numa carruagem. (...) Nunca ninguém me ajuda a subir numa carruagem, a passar por cima da lama ou me cede o melhor lugar! E não sou uma mulher? Olhem para mim! Olhem para meu braço! Eu capinei, eu plantei, juntei palha nos celeiros e homem nenhum conseguiu me superar! E não sou uma mulher?"

    Eu me pergunto, dois séculos depois: eu ainda não sou mulher? O meu discurso individual, é legitimo e fruto do debate coletivo de diversas mulheres negras. Para nós, o amor romântico tem cor e ele exclui negras. Feministas norte-americanas, europeias, africanas negras, como eu, fazem críticas similares. Existem artigos acadêmicos, livros, entrevistas e diversos textos em blogs escritos por nós. Mas quem lê?

    Para muita gente, é uma crítica nova, vista como agressiva por ferir escolhas supostamente individuais. Reafirmo que as nossas escolhas individuais não surgem sem entendermos o contexto vigente, que vai desde nosso passado escravocrata, até a atualidade, onde classe social tem cor e gênero, e a construção de um padrão estético de beleza excludente e racista.

    O que me assusta é como as feministas brancas estão próximas ainda de homens brancos, na forma de lidar e tratar de mulheres negras.

    Nós, negras, fomos sempre colocadas numa posição de desconforto social, devido à questão racial e de gênero, onde as respostas a esse contexto são puramente feminismo. Mesmo que sem contato com todas as produções acadêmicas de feministas brancas, seja no século 19 até hoje, mulheres negras acabam tendo um comportamento social distinto ao que se espera de uma mulher para sua própria sobrevivência.

    No fundo ninguém valoriza a produção intelectual de uma mulher negra, mesmo no feminismo que preza o evidenciamento de nossas vozes por meio de produções textuais, a campanha #AgoraÉQueSãoElas inclusive é sobre isso. Só faltou lembrarem que se está ruim para brancas que já são privilegiadas e conhecidas como as que vi aderindo, imagina para negros? Vai doer em muitas feministas brancas o que vou dizer, mas enquanto elas clamam por esses espaços, quando vejo o quadro de colunistas de jornais, revistas, blogs, há mais mulheres como elas, do que negros independente do gênero.

    Quantas mulheres negras vocês já leram como colunistas fixas, em suas vidas nesses veículos que aderiram a campanha? Eu mulher negra não sei escrever?

    j. p. cuenca

    Escreveu até setembro de 2016

    É escritor. Foi selecionado em 2012 pela revista britânica "Granta" como um dos 20 romancistas brasileiros mais promissores com menos de 40 anos.

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