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    João Paulo Cuenca

    Março de 2016

    18/03/2016 18h37

    16/3 – 21h – Youtube – Uma multidão persegue, bate e xinga um casal na Avenida Paulista. Quando a turba os encurrala num canto, um jovem de bem grita: "Veio provocar e agora vai sair chorando. Covardes!"

    Ao final, os dois falam para uma repórter da rádio CBN. O homem sangrando no nariz: "Posso resumir? Estava voltando do trabalho dela, onde fui buscá-la. A gente foi entrar no Masp, onde está tendo essa manifestação. Não somos a favor da manifestação nem nada, só fomos ali pra fumar um cigarro e conversar. Aí, um dos caras gritou "Lula tem que ser preso!" na orelha dela e ela não acha que isso é certo e e falou não, disse que não".

    A moça interrompe, chorando: "E aí ele começou a me bater, velho, do nada!" O rapaz: "Aí começaram a bater nela, eu fui defender e o cara me deu uma cabeçada." A moça continua a soluçar, revoltada, e namorado tenta acalmá-la: "Calma, são um contra 300, não dá pra fazer nada..."

    Alguns comentários no Youtube: "Sente a opressão, vagabunda", "dois maconheiros queriam sentir uma onda e conseguiram", "Ninguém é escorraçado desse jeito por nada..." e, finalmente, "Isso sim é igualdade de gênero, justiça social, devemos dar porrada em todos os petistas sem distinção de sexo, cor e orientação sexual. Não há diálogo com petistas."

    *

    16/3 – 23h30 – Facebook – Estudante de jornalismo, mulher: "Pra terminar essa belezinha de dia: passei pela Paulista à noite para pegar o metrô. Encontrei com a manifestação no meio do caminho. Atravessei o aglomerado de verde e amarelo em frente à Fiesp vestida também de verde e amarelo. De camisa azul, roupa escolhida pela manhã, fui confundida com manifestante. Um cara veio me entregar uma bandeirinha, gritando "Fora, Lula". Respondi que não compactuo com golpe, sorri, não peguei e continuei andando. O cara me seguiu. Puxou meu braço, me chamou de puta e me mandou pegar a bandeira e lutar por um Brasil melhor. Peguei a bandeira. Rasguei. Repeti que não compactuo com golpe. Levei um murro na boca do estômago, uma cusparada e um "corre comunista". Segundo o Estadão fui agredida por uma pessoa de bem".

    *

    17/3 – 14h26 – Facebook – Jornalista de João Pessoa: "Pessoal, infelizmente, após duras críticas ao Moro e ao golpe em minha coluna na CBN, um juiz pediu cópia do áudio para abrir inquérito. A censura está começando. Preciso urgente de um contato com algum advogado de João Pessoa. Temo por arbitrariedades".

    *

    16/3 – 20h06 – Facebook – Coisa rara, um post no meu perfil.

    Escrevi no momento em que me pareceu inquestionável a existência de um aparato judicial-midiático a manipular corações e mentes com o objetivo triplo de:

    1 – Cortar a cabeça das medusas corruptas apenas de um partido e entregá-las ao "povo de bem" numa bandeja.

    2 – Levar a crise institucional ao limite –e isso inclui incitar a violência nas ruas.

    3 – Depois de 1 e 2, salvar a pátria de uma crise para a qual tanto conspiraram, e, no processo, levar ao forno uma grande pizza para a oposição desidratada e o partidão-câncer do Brasil.

    Não é de interesse de PSDB e PMDB que a Operação Lava Jato continue. Ela deve parar no PT. Pela sua atuação recente, sobram motivos para desconfiar que o juiz Moro pense o mesmo. E para que esse "acordão" funcione, pouco importa rifar nossa democracia no processo.

    O texto:

    "A questão agora não é estar ou não com o PT. Não é ser "fora Dilma" ou "fica Dilma". Eu nunca votei na Dilma, por exemplo, e acho seu governo desastroso.

    E daí? Essa não é a questão agora.

    Já deixou de ser há meses e vocês ainda não entenderam. A questão é que o juiz Moro não é imparcial e atropela a Justiça com fins políticos, numa operação conjunta à grande parte da imprensa, partidos políticos e corporações. A imprensa não pode ser um partido político. O Judiciário não pode ser um partido político.

    Entendam: o que está em jogo é algo muito mais importante do que quem ocupará ou não a cadeira de Presidente da República do Brasil. O que está em jogo é a própria cadeira. E a República".

    Alguns comentários: "Muito feliz em nunca ter lido seus livros. Nem lerei. Sua fala é conivente com a corrupção", "Você é um débil mental", "Que feio, tá ganhando quanto?", "Você é um merda, parabéns", "Petista perdeu a vergonha. Torcedor de político ladrão, tem q ser investigado. Quem defende bandido é pq se identifica. Tinha q ter fuzilamento no Brasil.", "O povo está do lado do Moro e basta!"

    *

    17/3 – 17h21 – Notícia do G1: "(...) O jovem foi perseguido e atingido com socos na cabeça por manifestantes. A Polícia Militar precisou usar gás de pimenta e bombas de efeito moral para dispersar a multidão. O adolescente foi escoltado por policiais de trânsito, que não têm expertise em multidão, para não ser linchado. Segundo os manifestantes, o adolescente teria gritado palavras a favor do Partido dos Trabalhadores. Porém, o adolescente afirmou que não era do PT, mas se posicionava contra o golpe e tinha o direito de se manifestar também. O adolescente agredido por manifestantes foi perseguido pela rua Pamplona e pela alameda Santos e levado pelos policiais até a garagem de um banco. Alguns manifestantes ainda tentaram invadir o local, mas foram impedidos pelos policiais. Um grupo chegou a subir nas muretas que cercam a entrada da garagem do prédio".

    *

    18/3 – 16h – Rua.

    j. p. cuenca

    Escreveu até setembro de 2016

    É escritor. Foi selecionado em 2012 pela revista britânica "Granta" como um dos 20 romancistas brasileiros mais promissores com menos de 40 anos.

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