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    João Paulo Cuenca

    Ontem chegou

    24/06/2016 15h06

    Faço parte da geração que surfou a estabilidade dos anos FHC e o crescimento dos anos Lula no Brasil. Nascemos no final dos anos 1970 e entramos no mercado de trabalho sem atravessar planos econômicos extravagantes ou crises institucionais. Nosso correspondente europeu cresceu em circunstâncias históricas que inspiravam semelhante otimismo: moeda forte e estabilidade política sob uma união transnacional cuja prosperidade parecia infinita.

    No Brasil, um inédito pacto entre o capital e o trabalho fez com que rentistas, industriais, sindicalistas, empreiteiros e a nova classe média dançassem a mesma ciranda. Na Europa, fundos de desenvolvimento e multiculturalismo em voga –nacionalismos vistos como relíquia cultural a ser desfrutada via voos baratos da Ryanair e da Easyjet. Todo o conflito, um passado contido em livros de história, videogames ou filmes de guerra. Ou muito distante, coberto por um véu de desumanização no Oriente Médio ou em favelas do Rio de Janeiro.

    Esperar pelo melhor para nós era natural –magicamente, as coisas tomariam um rumo certo, ou o menos pior. Foi como crescemos. Um pouco como os imbecilizados personagens de Friends, talvez a obra que melhor tenha capturado o espírito mimado dessa época. Ou como um Cândido com o penteado do Ronaldinho em 2002, para quem no início de sua jornada "tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis".

    Se ainda longe do paraíso, pelo menos ainda havia certo fôlego para a crença num mundo melhor –ainda que para tantos dessa geração tal realidade fosse patrocinada pela aposentadoria dos pais em bairros supervalorizados de Londres ou Berlim. Entre o muro que caiu numa delas em 1989 e as pontes para a Europa destruídas na outra em 2016, talvez tenha chegado a hora de amadurecer.

    Por aqui, o cume dessa montanha de esperança, hoje convertida em destroços, foi o Balneário de São Sebastião. Onde, em anos pré-olímpicos, uma oferta aparentemente ilimitada de riqueza e gente chegou sob a nuvem inebriante de poeira levantada pelas novas construções e um céu azul-turquesa como uma nota de cem reais. Do alto, como vemos, a queda é maior.

    E hoje, nos dois lados do Atlântico, ontem parece ter chegado. O pior é possível. A esperar pelo resultado das eleições americanas em novembro.

    j. p. cuenca

    Escreveu até setembro de 2016

    É escritor. Foi selecionado em 2012 pela revista britânica "Granta" como um dos 20 romancistas brasileiros mais promissores com menos de 40 anos.

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