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    João Pereira Coutinho

    'God Save the Queen'

    25/03/2014 02h00

    1.
    LI EM tempos que o sistema prisional inglês decidira mudar metade dos seus banheiros. Motivo? Mark Steyn, um dos melhores colunistas vivos, explica em "America Alone": os vasos sanitários estavam voltados para Meca. E a população prisional muçulmana não tolerava esse desrespeito.

    Claro que uma forma barata de resolver o problema seria convidar os crentes a fazerem o serviço de lado. Mas a "religião da tolerância" —a única que sobrevive no Ocidente pós-cristão— decidiu mudar a mobília para não ofender o crente em posição jacente.

    Pois bem: a "religião da tolerância" continua a fazer estragos. O "Sunday Telegraph" informa que a Law Society, a instituição que regula os solicitadores da Inglaterra e do País de Gales, aconselhou os profissionais a integrar aspectos da "sharia", a lei islâmica, nos testamentos para muçulmanos. O que significa isso?

    Em termos práticos, significa que na Inglaterra e no País de Gales será possível que mulheres muçulmanas não tenham iguais direitos no momento das partilhas; que os não crentes sejam excluídos das mesmas; que crianças nascidas fora do casamento (ou até adotadas) não sejam consideradas como herdeiras legítimas —a lista de aberrações é longa e, pior que isso, permitirá a existência de dois sistemas legais no Reino Unido: um primeiro, baseado na lei britânica, e aplicado à população em geral; e um segundo, de inspiração islamita, apenas para muçulmanos.

    E se os testamentos fizerem doutrina, não é de excluir que a "religião da tolerância" aplique o mesmo raciocínio a mulheres muçulmanas adúlteras, a homossexuais muçulmanos promíscuos ou a carteiristas muçulmanos imprudentes. Como? Apedrejando, enforcando ou amputando os infelizes de acordo com uma interpretação vigorosa da "sharia".

    Faz sentido: quando se começa nos vasos sanitários, o mais certo é o resultado final ser merda.

    2.
    E por falar em Inglaterra: certo dia, almoçando no restaurante do hotel Savoy, vi entrar um personagem com ares de vagabundo e aura de estrela do rock que provocou histeria entre os presentes.

    Olhei para a criatura, perguntei à minha senhora se ela conhecia o dito cujo, mas a ignorância era mútua. Só mais tarde, folheando uma revista, reencontrei o rosto e o nome: Russell Brand, ator e humorista. Como ator, confesso que não frequento matinês para a população débil. Como humorista, o guarda-roupa talvez fosse a sua melhor piada.

    Agora, parece que o sr. Russell Brand se prepara para escrever um livro. O fato de Brand saber escrever já é uma ideia perturbante. Mas mais perturbante é saber que, no livro, o ator e humorista pretende solucionar todos os problemas do mundo —das alterações climáticas à desigualdade social— com suas proclamações esquerdistas e mentecaptas.

    É precisamente contra este tipo de fenômenos que Rodrigo Constantino escreveu o seu "Esquerda Caviar" (Record, 434 págs.), que começa da melhor forma possível: com a conhecida frase de Nelson Rodrigues de que é mais fácil amar a humanidade do que aqueles que nos estão mais próximos.

    No fundo, Constantino retoma a célebre acusação que Burke lançou a Rousseau nas suas "Reflexões sobre a Revolução na França": como levar a sério um homem que amava os Homens (em abstrato) e não hesitou em abandonar os seus próprios filhos na roda?

    Infelizmente, é possível levar a sério essa turma porque a "aldeia midiática" em que vivemos promove essas hipocrisias éticas: atores e humoristas que almoçam no Savoy —mas depois gostam de exibir em público as suas "lindas intenções" contra o capitalismo que os alimenta. Exatamente como os tarados gostam de abrir a gabardina para exibir os órgãos genitais a crianças inocentes.

    A única diferença é que as crianças normalmente horrorizam-se com o espectáculo. As crianças crescidas, pelo contrário, são as primeiras que correm para as livrarias, esperando encontrar no livro de um ator e humorista a chave para os problemas do mundo.

    Seria bem melhor que esses exércitos de retardados comprassem a obra de Rodrigo Constantino. Porque a adolescência interminável é a pior forma de senilidade.

    joão pereira coutinho

    Escritor português, é doutor em ciência política.
    Escreve às terças e às sextas.

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