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    João Pereira Coutinho

    Comunismo só funciona na miséria

    06/10/2014 03h00

    Karl Marx falhou: como cientista e até como profeta. Esse fracasso já foi referido em coluna (Será que Deus existe?). Mas faltou acrescentar um pormenor: Marx nem sequer previu que a sua "luta de classes" seria substituída por uma perpétua "imitação de classe".

    O proletariado não desejava destruir o sistema capitalista. Pelo contrário: desejava antes participar nele, imitando a burguesia –nos seus hábitos e gostos– e desfrutando dos mesmos confortos materiais que só o capitalismo permite.

    Se dúvidas houvesse, bastaria olhar para os confrontos em Hong Kong, com os manifestantes a exigir respeito pelas eleições de 2017 na ilha. Pequim ficou em estado de alerta.

    Entendo: em 1989, o PC chinês contemplou a desagregação do comunismo na Europa com horror. Consta até que o líder de então, Deng Xiaoping, terá ficado assustado com os fuzilamentos sumários do encantador casal Ceausescu, na Roménia.

    O colapso da União Soviética, pouco depois, deixou o aviso: não bastava reprimir uma população miserável, como aconteceu na Praça de Tiananmen. Era preciso responder aos anseios da população, o que significava abrir as portas a um "capitalismo de Estado" controlado.

    Fatalmente, o PC chinês ignorou a maior fraqueza da teoria marxista: o capitalismo, e mesmo o "capitalismo de Estado", não se limita a matar a fome e a permitir carros ou roupas de grife.

    Cedo ou tarde, a emergência de uma classe média significa também que as massas desejam mais: coisas intangíveis como liberdade, participação política e até o direito de governar.

    Em Hong Kong, essas reivindicações podem ser explicadas (e reforçadas) pela tradição de liberdade que já existia antes da devolução britânica em 1997.

    Mas, como informa a revista "The Economist", essas reivindicações são já sentidas em todo o país –de tal forma que uma das prioridades do regime nesses dias foi ocultar da população continental a "Revolução dos Guarda-Chuvas" de Hong Kong.

    Durante décadas, vários especialistas sobre a China formularam a questão clássica: será possível ter uma sociedade capitalista sem o tipo de liberdades de uma sociedade democrática?

    As imagens de Hong Kong são a primeira e promissora resposta. E são também uma confirmação histórica: para o comunismo funcionar, é importante que uma sociedade seja mantida rigorosamente na miséria.

    joão pereira coutinho

    Escritor português, é doutor em ciência política.
    Escreve às terças e às sextas.

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