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    João Pereira Coutinho

    Um brinde à "Magna Carta"

    15/06/2015 09h00

    Visitei Runnymede em 2009. Cenário bucólico, perto de Londres. E, para os interessados em história política, um nome para a eternidade. Essa eternidade começou há precisamente 800 anos, quando em Runnymede se reuniu o rei John e o baronato medieval em armas contra os abusos do monarca.

    Ninguém sabe, com detalhe, o que se passou naquele dia 15 de Junho de 1215. Mas existe um documento que sobreviveu, posteriormente apelidado de "Magna Carta", e que os eruditos interpretam de formas diversas.

    Há quem diga que a "Magna Carta" foi uma forma ardilosa do rei terminar com a guerra civil, concedendo benesses de todo tipo - financeiras, jurídicas, políticas - aos seus inimigos. Admito que sim.

    Mas o que importa na "Magna Carta" são os princípios gerais e intemporais que ela legou à tradição política britânica - e que se resumem em frase singela: o monarca não está acima da lei e não pode, por mero capricho, subverter as liberdades fundamentais do reino.

    Logo no início do documento, John compromete-se a respeitar a liberdade da Igreja (um compromisso importante quando sabemos da antiga conflitualidade do monarca com o Papa Inocêncio 3º, que o chegou a excomungar). Mas a sombra da "rule of law" cobria igualmente outras áreas que acabaram por fazer doutrina no Reino Unido e fora dele.

    Quando o rei se compromete a não cobrar impostos de forma arbitrária; quando determina que nenhum homem livre será preso sem passar pelo julgamento dos seus pares ou pela lei do país; quando jura respeitar a liberdade de circulação no interior do reino, ou até para fora dele, excetuando-se em tempos de guerra; e, pormenor fundamental, quando atribui a 25 barões a função de vigiar a ação do monarca e de fazer cumprir o que ele selara em 1215, sob pena de rebelião e perda do poder, é fácil antever a evolução que esses princípios tiveram na narrativa constitucional (e liberal) posterior.

    Por outras palavras: há 800 anos, com a "Magna Carta", eram lançadas na Inglaterra as sementes das futuras democracias constitucionais. E quando hoje falamos da importância de limitar o poder do governo; do direito de "habeas corpus"; do direito a um julgamento justo; da defesa da livre circulação de pessoas; do consentimento parlamentar para a cobrança de impostos; e etc. etc. - é da "Magna Carta" que, consciente ou inconscientemente, estamos a falar.

    Hoje, dia 15 de Junho de 2015, um brinde a essa velha senhora.

    joão pereira coutinho

    Escritor português, é doutor em ciência política.
    Escreve às terças e às sextas.

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