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    João Pereira Coutinho

    O Tiririca americano

    27/07/2015 09h40

    Certa vez, contei a um jornalista brasileiro que a opinião midiática em Portugal era exercida por políticos ativos ou aposentados. Ele não acreditou. Seria possível que um país da Europa ocidental tivesse essas práticas bárbaras em pleno século 21?

    Durante uns tempos, o caso foi motivo de vergonha pessoal. Políticos comentaristas soava a aberração. Hoje penso que essa promiscuidade não é sintoma de atraso; talvez seja sintoma de progresso.

    Os políticos portugueses ocuparam jornais e televisões porque entenderam que, na era da "democracia midiática", as verdadeiras carreiras de sucesso não são feitas nos lugares tradicionais –partidos, governos, parlamentos. São feitas nos jornais e nas televisões. Ou, para sermos precisos, a única forma de chegar ao poder é através da imagem.

    Os eleitores votam em políticos porque eles são indistinguíveis dos candidatos ambiciosos que mostram os seus talentos em concursos televisivos de música, dança ou culinária. Política, no fundo, é outra forma de espetáculo.

    Aliás, se dúvidas houvesse, bastaria olhar para os Estados Unidos e para o fenômeno Donald Trump. Nas pesquisas, o milionário norte-americano lidera a corrida Republicana. E alguns analistas não entendem como é possível que um personagem desbocado e sem grande etiqueta democrática possa estrelar a corrida eleitoral.

    A resposta a tanto espanto já está contida na própria pergunta: é precisamente por ser um personagem desbocado e sem grande etiqueta democrática que Donald Trump é um caso de sucesso. As suas presenças em programas de televisão são o seu melhor cartão de visita.

    Verdade que os comentários sobre John McCain ("Ele virou herói porque foi capturado. Eu gosto das pessoas que não foram capturadas.") gelaram a espinha até dos seus mais cretinos seguidores. Mas se Donald Trump não correr pela legenda Republicana, ele poderá sempre correr como independente, roubando votantes à direita e entregando a vitória a Hillary Clinton.

    Por enquanto, Donald Trump é uma espécie de palhaço Tiririca, infinitamente mais rico embora com um corte de cabelo infinitamente mais ridículo. E, claro, chegar à Casa Branca é tão improvável como Tiririca chegar ao Palácio do Planalto.

    Mas o fenômeno que ele representa é uma espécie de lembrança das fraquezas da democracia - fraquezas que o pensamento político ocidental glosou durante séculos e séculos.

    A democracia pode ser a pior forma de governo, com a exceção de todas as outras (Churchill "dixit"). Mas quando essa forma de governo é escolhida por uma população imbecilizada que confunde a política com um espetáculo de circo, a "pior forma de governo" deixa de ter qualquer exceção.

    joão pereira coutinho

    Escritor português, é doutor em ciência política.
    Escreve às terças e às sextas.

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