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    João Pereira Coutinho

    Resposta a Demétrio Magnoli

    17/11/2015 02h00

    No conflito Israel x Palestina, há malucos para todos os gostos. Aqueles que torcem por Israel (como eu). Aqueles que torcem pelos palestinos (como Caetano Veloso).

    E depois existem os sãos, como Demétrio Magnoli, que observa o jogo em cima do muro e, salomonicamente, diz que nenhum dos lados tem razão, apesar de o próprio não nos apresentar as suas razões para compreendermos o conflito e, no limite, vislumbrarmos uma solução para ele.

    Na parte do texto que me diz respeito, Magnoli (caderno "Poder", 14.nov ) acusa-me de fazer "propaganda" a favor de Israel, um eufemismo para "mentir" (ou, pelo menos, não contar a verdade toda).

    Partindo do pressuposto de que Demétrio Magnoli não esperava uma história detalhada do conflito em 4.000 toques (o que seria um feito ainda maior do que alcançar a paz entre judeus e árabes), o articulista começa por desprezar o Plano de Partilha da ONU em 1947, os três Nãos de Nasser e essa minudência chamada Hamas, três argumentos que eu elegi ("Ilustrada", 10.nov) para explicar a histórica relutância árabe em aceitar a solução dos "dois Estados".

    Entendo Demétrio Magnoli. Se virmos bem, que importância tem a recusa palestina em aceitar a divisão do território em 1947?

    Que importância tiveram as guerras de 1947-49 –guerras que não foram iniciadas por Israel?

    Que importância têm os três Nãos de Nasser depois da Guerra dos Seis Dias, que apenas prolongaram as ocupações de Gaza e da Cisjordânia?

    E quem perde um minuto de atenção com o Hamas, esse simpático grupo que, para além de defender a destruição de Israel, continua a olhar para a própria Autoridade Palestina com desconfiança –uma situação que impossibilita uma frente unida e credível entre os árabes para qualquer negociação?

    Na curiosa narrativa de Magnoli, tudo isso são fatos desprezíveis quando comparados com a "pulsão expansionista do sionismo".

    Curioso: na minha "candura", eu sempre julguei que o sionismo era um movimento pluriforme: o sionismo de Herzl não é comparável ao militarismo de Jabotinsky, por exemplo. Magnoli não se perde com detalhes e junta tudo na mesma sacola.

    Aliás, para resumir o filme, o autor fala-nos de um Ben-Gurion que, em 1949, "apagava os nomes árabes da topografia da Terra Santa".

    Será este o mesmo Ben-Gurion que sempre desaconselhou os emigrantes judeus a comprarem terra de palestinos?

    Será este o mesmo Ben-Gurion que, muito antes do Plano de Partilha, sempre aceitou a divisão do território?

    Será o mesmo Ben-Gurion que desarmou milícias como o Irgun ou o Lehi, por elas atuarem à revelia da autoridade judaica durante e depois das guerras de 1947-49?

    Não deve ser: o Ben-Gurion que Magnoli nos apresenta batizou com nomes hebraicos território judaico que a) foi território alocado pela ONU a Israel e b) foi território conquistado num contexto de guerra. É impressionante como Ben-Gurion não obrigou todos os judeus a falarem árabe!

    Finalmente, Sharon: deixar Gaza era a melhor forma de anexar Jerusalém e vastas áreas da Cisjordânia? Conheço o argumento.

    Mas também conheço o argumento contrário: a ocupação de Gaza (e da Cisjordânia) representava uma bomba demográfica a prazo, capaz de submergir a maioria judaica do país.

    Sair de Gaza e da Cisjordânia era do interesse do Israel, até por esse motivo prosaico.

    Além disso, será preciso lembrar a Demétrio Magnoli o que sucedeu antes da chegada de Sharon ao poder e das suas ações unilaterais?

    Precisamente: os encontros de Camp David e Taba em 2000-2001, onde o premiê israelense Ehud Barak propôs um Estado palestino independente; uma divisão de Jerusalém; e até indenizações para os refugiados palestinos de 1948 e 1967.

    Arafat recusou a melhor proposta de toda a história do conflito –sem apresentar contrapropostas.

    Existe, porém, um ponto onde Demétrio Magnoli tem razão: seria para mim desejável a existência de dois Estados com fronteiras seguras e reconhecidas. Mas uma coisa são desejos; outra, realidades.

    Enquanto existirem duas Palestinas que se odeiam de morte (uma em Gaza, outra na Cisjordânia), não há interlocutores válidos para nenhuma negociação.

    E, claro, a construção de assentamentos israelenses continua –uma política errada e inútil que já critiquei nesta Folha.

    A situação é de paralisia. Compreender essa paralisia significa revisitar uma história onde, mantenho, os palestinos foram continuamente atraiçoados pelas suas lideranças.

    joão pereira coutinho

    Escritor português, é doutor em ciência política.
    Escreve às terças e às sextas.

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