Carnaval no Brasil e eu penso: o que aconteceria no país se Dilma Rousseff recebesse o presidente iraniano Hassan Rouhani? Será que os desfiles seriam cancelados? Ou a festa seguiria na mesma, embora com as mulheres vestidas de burca em pleno sambódromo?
Difícil dizer. Hoje, é difícil dizer qualquer coisa. No momento em que escrevo, a Europa ainda discute se a atitude do governo italiano em tapar as estátuas de nus nos Museus Capitolinos, em Roma, foi a mais acertada para receber Rouhani.
Instintivamente, diria que não. E, com a minha toga profética, acrescentaria que esconder o que fomos e somos, como cultura e memória, é uma espécie de rendição civilizacional que só inspira repugnância, e não respeito, no radicalismo islamita.
Mas posso estar errado. E, quem sabe, talvez a atitude do governo de Matteo Renzi seja o primeiro passo para que os chefes de Estado da Europa convertam os seus países no reflexo da cultura que os visita. Uma espécie de "nós-não-temos-valores" porque respeitamos literalmente os valores dos outros.
Se é esse o destino, prevejo vida dura (mas merecida) para os políticos europeus. Começo pela mesa. Que atitude devem ter um presidente ou um premiê europeus quando o visitante é africano e, legitimamente, exige cérebro de macaco para o almoço?
O mesmo para um visitante asiático, que pode ser um bom garfo quando o assunto é o pênis de qualquer quadrúpede, do touro ao cavalo, sem esquecer testículos de um bom carneiro.
Pessoalmente, creio que as elites políticas europeias, por motivos de cortesia, deveriam respeitar esses paladares e, claro, partilhar os mesmos pratos.
Sem falar de casos mais radicais, como a tribo korowai. Em caso de visita, um premiê como Matteo Renzi estaria disposto a dispensar os falos do touro e do cavalo –e oferecer ele próprio os mantimentos necessários, castrando-se em pleno jantar?
Estudiosos vários garantem que os korowai indonésios ainda apreciam o canibalismo em datas especiais.
E quem fala da mesa fala de adornos e vestuários. Se as mulheres-girafa da Tailândia visitam Roma, não seria aconselhável que Renzi também esticasse o pescoço com anéis de cobre –e, por razões médicas, ser impedido de os tirar?
Se, pelo contrário, as mulheres são de uma tribo etíope, e não asiática, um disco de madeira no lábio seria o mínimo para as receber e, na medida do possível, beijar.
Finalmente, e como "grand finale", também imagino o dia em que o premiê italiano recebe uma comitiva de esquimós. Em nome de um fraterno multiculturalismo, o premiê deveria oferecer a sua própria mulher para que o visitante tenha companhia e aquecimento noturnos. Como é da praxe nas terras geladas do pessoal.
Se o destino da Europa é abrir os braços (e as pernas) a todas as exigências multiculturais, o mínimo que se espera é que o faça literalmente e sem discriminar.
Escritor português, é doutor em ciência política.
Escreve às terças e às sextas.