• Colunistas

    Monday, 06-May-2024 07:46:47 -03
    João Pereira Coutinho

    Ouro do Brasil

    18/04/2016 14h07

    O presidente turco não é muito democrata com os seus críticos internos. Desconhecia, porém, que gostava de aplicar a mesma terapia aos seus críticos externos.

    Aconteceu na Alemanha. Um humorista de TV escreveu um poema satírico em que, entre outros versos, acusava Erdogan de ter um "pinto pequeno" e de se entregar a intimidades com cabras. Não sei se uma coisa implica a outra —pintos pequenos, amor com cabras: não há um veterinário que nos possa esclarecer sobre a matéria?

    O que sei é que a Turquia abriu processo criminal de injúria contra Jan Böhmermann e o governo de Angela Merkel, que tem de aprovar o processo, disse um "ok" covarde para que a procuradoria alemã avançasse contra o humorista.

    Longe de mim contestar a híper-sensibilidade masculina do presidente Erdogan. Mas se o caso das cabras e do pinto pequeno faz doutrina no Ocidente, o futuro não será animador.

    Por mim falo: será que um colunista poderá escrever impunemente sobre Kim Jong-un, o ditador-comediante da Coreia do Norte? Não falo das suas "políticas" torcionárias e do hábito, desagradável, de matar o seu próprio povo à fome.

    Falo de questões mais triviais, como exibir o corte de cabelo mais ridículo do mundo e gostar de brincar com mísseis nucleares por motivos de frustração fálica evidentes.

    E quem fala em Kim Jong-un, pode perfeitamente arrolar Vladimir Putin ao clube. O digníssimo leitor já olhou para o rosto daquela boneca?

    Na última edição da revista "The Spectator", Virginia Ironside confronta-se com o "botox" que Putin injetou na face e questiona: mas essa gente não tem dinheiro suficiente para fazer as coisas de forma discreta? Uma tradutora russa, rindo de Ironside, respondeu-lhe: na Rússia de hoje, mostrar que se fez uma intervenção estética é sinal de "status". Volta, Brejnev. Tu e as tuas sobrancelhas estão perdoadas.

    Por último, será crime rir alto de Nicólas Maduro? Corrijo: das vestimentas de Maduro —aquelas roupas de ginástica tricolores, que me levam de volta para todos os circos onde fui na minha infância?

    A atitude de Merkel abre as portas para que o autoritarismo desses déspotas possa ser exercido fora das suas fronteiras. Curioso: eles não precisam conquistar o mundo para impor o "silêncio dos cemitérios"; existem sempre líderes democráticos que fazem o trabalho sujo por eles.

    Aliás, não será de excluir, nessa "era da ofensa" em que vivemos, que países inteiros comecem a processar outros países por ofensas à honra e à dignidade de seus povos.

    Os humoristas brasileiros que tenham cuidado: "piadas de português" podem fazer sucesso comercial. Mas a embaixada de Portugal em Brasília deveria mostrar os caninos sempre que os lusos são rebaixados para efeitos de riso fácil.

    Se Portugal ainda tem problemas econômicos sérios, as indenizações em tribunal poderiam ser um novo ouro do Brasil.

    joão pereira coutinho

    Escritor português, é doutor em ciência política.
    Escreve às terças e às sextas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024