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    João Pereira Coutinho

    É mais fácil adotar uma ratazana do que um defensor de ratazanas

    08/09/2017 07h00

    Divulgação
    ORG XMIT: 382601_1.tif Cinema: Cena da animação da Disney/Pixar "Ratatouille", do diretor Brad Bird. (Foto Divulgação)
    Cena da animação da Disney/Pixar "Ratatouille", sobre um ratinho cozinheiro em Paris

    Os defensores dos "direitos" dos animais sempre tiveram um problema: como sentir empatia por criaturas que não fazem parte da nossa paisagem humana?

    Vários autores sublinham esse ponto: a empatia que sentimos por um cão, um gato, um porco ou uma galinha não surge por acaso. Empatizamos porque humanizamos. Reconhecemos que o bicho faz parte da família e, para imaginações mais febris, esperamos que ele comece a falar e a dançar sapateado.

    Mas como humanizar uma pulga? Um percevejo? Uma mosca? Bem sei que os filmes da Disney têm dado um contributo inestimável para o processo. Mas, aqui entre nós, quem estaria disposto a defender publicamente os direitos das ratazanas -sim, ratazanas infectas e repulsivas?

    A essa eu respondo: os parisienses, claro. Leio no "Daily Telegraph" que Paris vive uma das piores crises de rataria das últimas décadas. As ratazanas vieram para a rua. Passeiam impunemente pelas calçadas. Vão tomar café ao "Les Deux Magots" e até discutem filosofia existencialista ao sabor de Gitanes.

    Perante essa invasão, as autoridades resolveram agir. Começaram por interditar parques e outros recintos para evitarem a propagação de doenças. E preparam um plano maciço (e caríssimo) de desratização.

    Azar. Se as ratazanas são "seres sencientes", ou seja, capazes de sentir prazer e dor, então nada justifica o "genocídio" em curso. Uso a palavra "genocídio" porque já existe uma petição, com dezenas de milhares de assinaturas, que tenta evitá-lo.

    Mais: políticos da cidade juntaram-se ao coro dos indignados e um deles, Jacques Boutault, prefeito do segundo distrito de Paris, formulou a questão que se impunha: "Mas por que motivo temos de matar as ratazanas?".

    Meu querido Jacques, não temos. Para evitar o "genocídio", basta que os subscritores da petição se ofereçam voluntariamente para adotar duas ou três ratazanas. É só confirmar os nomes, encontrar os endereços -e entregar os roedores para que possam fazer parte da dinâmica familiar. Não é fácil?

    Talvez não seja. Mas, acredite, é mais fácil adotar uma ratazana do que um defensor de ratazanas.

    joão pereira coutinho

    Escritor português, é doutor em ciência política.
    Escreve às terças e às sextas.

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